11.9.12

O calendário da desesperança


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O que mandamos dizer aos lugares-comuns que nos assolam quando sentimos este calendário plúmbeo a morder no pescoço? Tiramos da cartola não coelhos, mas abutres ávidos de carne ainda quente mas já recessa, corvos negros da cor das vestimentas interiores que envergamos em sinal do luto pela desesperança. A poeira levantada pelo vento é lúgubre, o sol parece pintado de preto quando consegue arrotear as teimosas nuvens carregadas de chumbo que se acastelam no céu. A poeira é ácida, um veneno lento que se entranha nas veias e vai matando aos bocados. Não vínhamos dando conta deste soporífero arsénio. Agora, os olhos esbugalharam-se quando afocinharam no esbulho anunciado – ou no prontuário onde se fizeram os esbulhos todos em seu somatório. Que raio de democracia é esta? É esta a única responsabilidade que partilhamos – a responsabilidade pelos desatinos criminosos de uma classe irresponsável? (“Irresponsável” no sentido de os eximir das responsabilidades que, de outro modo, seriam chamadas à pedra.) Que raio de lucidez a destes governantes que foram à carne e agora ao osso de quase todas as vivalmas que têm a ousadia de ter salário? Gostarão da sublevação que medra, ainda silenciosa, ainda nas insinuações que vêm repostas nas reações ainda não desabridas de quem se sente esbulhado? Terão prazer em ver uma cidadania quase inteira insubordinar-se? Será este o limite do confisco (quem nos governa manda dizer que ainda podemos esperar por mais investidas do abutre faminto que nacionaliza o nosso esforço de trabalho)? Eu nem sei quantas mais interrogações escorregam debaixo dos dedos que continuam a desenhar as letras neste texto. O calendário cultiva as sementes da desesperança – isso parece lapidar. Seria a altura de dar a voz aos useiros lugares-comuns: quando vamos ao fundo temos de largar as mãos da âncora que para lá nos empurra. Os sinais da desesperança não são mensagem de desistência. São uma oportunidade para redesenhar tudo. A partir de uma folha em branco. 

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