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O que mandamos dizer aos
lugares-comuns que nos assolam quando sentimos este calendário plúmbeo a morder
no pescoço? Tiramos da cartola não coelhos, mas abutres ávidos de carne ainda
quente mas já recessa, corvos negros da cor das vestimentas interiores que
envergamos em sinal do luto pela desesperança. A poeira levantada pelo vento é lúgubre,
o sol parece pintado de preto quando consegue arrotear as teimosas nuvens
carregadas de chumbo que se acastelam no céu. A poeira é ácida, um veneno lento
que se entranha nas veias e vai matando aos bocados. Não vínhamos dando conta
deste soporífero arsénio. Agora, os olhos esbugalharam-se quando afocinharam no
esbulho anunciado – ou no prontuário onde se fizeram os esbulhos todos em seu
somatório. Que raio de democracia é esta? É esta a única responsabilidade que
partilhamos – a responsabilidade pelos desatinos criminosos de uma classe
irresponsável? (“Irresponsável” no sentido de os eximir das responsabilidades
que, de outro modo, seriam chamadas à pedra.) Que raio de lucidez a destes
governantes que foram à carne e agora ao osso de quase todas as vivalmas que têm
a ousadia de ter salário? Gostarão da sublevação que medra, ainda silenciosa,
ainda nas insinuações que vêm repostas nas reações ainda não desabridas de quem
se sente esbulhado? Terão prazer em ver uma cidadania quase inteira
insubordinar-se? Será este o limite do confisco (quem nos governa manda dizer
que ainda podemos esperar por mais investidas do abutre faminto que nacionaliza
o nosso esforço de trabalho)? Eu nem sei quantas mais interrogações escorregam
debaixo dos dedos que continuam a desenhar as letras neste texto. O calendário
cultiva as sementes da desesperança – isso parece lapidar. Seria a altura de
dar a voz aos useiros lugares-comuns: quando vamos ao fundo temos de largar as
mãos da âncora que para lá nos empurra. Os sinais da desesperança não são
mensagem de desistência. São uma oportunidade para redesenhar tudo. A partir de
uma folha em branco.
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