7.9.12

Eram as vacas gordas


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Tão gordas que o úbere era um inchaço a tocar o chão, as tetas leitosas enrubescidas de tantos lá se saciarem. A democracia tratou de nos educar para a pedagogia da afluência, que isso de viver à rédea curta, quase em minimalismo monástico, era vestígio salazarento. Aprendemos a medir as ambições por uma estaleca que era maior que a estatura que tínhamos. Depois vieram os bancos patrocinar a abundância: não havia contado, mas haveria crédito fácil. Era a multiplicação dos sonhos. Tínhamos direito ao nosso quinhão de consumo, enfim. Foi uma roda viva. Empenhados em satisfazer as cobiças cerceadas às gerações anteriores, nem tivemos tempo para medir o pulso ao amanhã. Mas o amanhã teria de vir. O amanhã era uma fatura. Prometida a estalar na boca, seca e dolorosa, quando o chão da fartura desabasse ao cabo de uma curva mal desenhada. As vacas emagreceram. Estão carcomidas, as forças exangues de tanto sorvidas até ao tutano. Já não abastecem leite. Agora andamos cabisbaixos. Alguns protestam contra as ilusões vendidas, como se a abastança fosse sinónimo maior de recompensa interior. Bem diziam uns profetas da desgraça, uns que se atiram ao capitalismo que nem mastins, que andávamos aferrolhados aos capitalistas que se encheram depois de termos ido no engodo do consumo mirífico. E agora, que as vacas são magras e macilentas, a tristeza apoderou-se. Sobra o arrependimento de termos definhado as vacas outrora gordas. As lojas fecham, as fábricas despejam na inércia uma maré de desempregados, os olhos embotam-se na irrelevância dos amanhãs sombrios. Uns médicos tentam panaceias de última hora, para ver se as vacas se extraem ao pré-coma. Paninhos quentes, apenas. De um canto obscuro, uns esculápios pouco escutados pressagiam o remédio: fomos enganados quando nos contaram que as vacas estavam gordas. Elas estavam só inchadas (como o gado de aviário obrigado a consumir esteroides encomendados para o crescimento precoce). Se calhar, o precato era o remédio. Ou vai a bem, ao doerá mais se for a mal. Pois hoje as vacas são magras, e muito. 

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