In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHgxIyzI4WSos33adX_yiPgLEYP2jCDbNzoUG2IhMxo6KDNnqSyfZmb4DPxIX3Vr6qSl5evhhC6-2gRaSiVQ1oJn3d5KE9k8KEvMrDDJ7UiT8MaVnPHabW1LMBQqq4rEswy9onNA/s400/normal_26.jpg
Os arreios pesavam sobre o dorso. As
esporas eram cintas afiadas que tolhiam a liberdade. Todos os dias, mal o feitor
entrava no estábulo com a ração matinal, os olhos já tinham passado pelo crivo
da alvorada. Marejados, os olhos não deixavam de sonhar. O cavalo já não se
importava que lhe dedicassem as atenções todas, nem com a corte que o pajeava.
(Ouvira dizer que valia o peso em ouro, pelas proezas embainhadas sob a batuta
de um jóquei que pesava uma pluma.) Um dia, uma égua em visita transitória
contara-lhe os prazeres da liberdade. Como era correr em campo aberto, os
calços esbugalhando a terra mole onde tufos espessos de muito verde erva tinham
ninho. Este sonho era um sobressalto contínuo. Repetia as imagens narradas pela
égua, à exaustão. De tão exausto caiu doente. Fraco e macilento, meteram-no a
custo na carrinha transportadora. Era ainda noite, a madrugada espreitando no estuário
do horizonte. A tristeza consumira as forças, ia prostrado. Soergueu o pescoço
e os olhos deitaram-se na paisagem já aclarada pela fresca luz matinal. Viu
montes e vales, um imenso tapete ervado por diante. Relinchou como se a dor o
consumisse. O cavalo simulou o estertor e o tratador ficou em pânico. Mal tomou
o telemóvel entre mãos (teria de comunicar ao veterinário), o cavalo arrebanhou
umas forças do mais fundo de si, saltando por cima do tratador. Correu tudo o
que sabia. Sentiu um dardo de raspão – era o dardo que o tratador disparou para
anestesiar a fuga. Falhou. E ele soltou as rédeas mentais que o domaram tanto
tempo. Não estava doente, ou a correria desenfreada não encontrava forças em
gestação. Trepou montes, saltou cercas de meter respeito, não se intimidou com
os penedos, arredondados ou com vértices à mostra, que apareciam debaixo dos
cascos. Bebeu a água que quis, sem o racionamento dos estábulos. Comeu comida
pura e deu conta como é sensaborona a comida impura, a ração meticulosamente
pesada pelo feitor. Dormiu ao relento. Sem medo dos lobos que uivavam ao longe,
sem se intimidar com o vento furioso que se compôs no zimbório de uma
tempestade. Acasalou com uma égua selvagem, que ensinou os outros rudimentos da
liberdade. Os homens andavam pelo monte em sua demanda. O cavalo enfurecia-se
quando os via ao longe, para logo empreender fuga. Passaram meses. Anos. Os
homens deram o cavalo como baixa. Julgaram que se tinha precipitado do alto de
um penhasco na serrania inexpugnável. Mas o cavalo viveu anos a fio sem
saudades do aristocrático trato.
Sem comentários:
Enviar um comentário