22.4.14

Com as armas que temos

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Tomamos conhecimento das pedras que magoam os pés ao passar. Pois que a todos elas acometem. Há-as irrisórias; declinam-se na irrelevância de que carecem. Há as outras, pontiagudas, que povoam sobressaltos, a menos que também sejam atiradas para o labéu da vanidade. O que talvez não saibamos é que o desmerecimento das contrariedades é um arma que temos em nossas mãos. Uma arma que não damos conta de estar no arsenal. Uma arma de irrelevância maciça.
Às mãos, as armas poderosas que são o virar do rosto para o lado contrário das tempestades. Às mãos, pois, a purificação das missões de extinção das vilanias que se semeiam em nossa peugada. Essas são as armas, e poderosas, com que terçamos. Pois a incandescência dos dias luminosos não aceita que outras sejam as armas quando as apoquentações se insinuam por todos os lados. Com as armas que temos, de pacíficos pergaminhos, a bem da sanidade por onde acamam as veias.
É o que acontece quando alisamos as areias que a maré tumultuosa descompôs. Deixamos o areal numa ordenação próxima da perfeição. Ainda vemos os estorninhos que parecem seduzidos pela perfeição do areal. Depois de o contemplarem num voo desenhado, aterram com a ligeireza das suas finas patas. Dedilham os pequenos seixos arredondados que são a argamassa da areia grossa. Não esboçamos protesto pela desordem que os estorninhos vieram instalar. Afinal de contas, tamanha harmonia não pode ser julgada desordem alguma.
Enquanto deixamos os estorninhos em sua coreografia salgada, metemo-nos a caminho, o mar nas nossas costas todavia deixando o perfume da maresia matinal embeber-se em todos os poros. Os olhos estão virados a nascente, de onde se levanta o sol, ainda tímido. A claridade singular irradia à medida que os minutos fogem. Quando o dia se anuncia soalheiro em toda a sua pujança, o sol perde parte do seu encanto (a crer no diapasão que ajuizou o encantamento da luz alvorada). Não chega para adulterar os olhos bem abertos, ávidos de passarem a vista pelo enlevo que o existir deixa em legado. Podia, até, a manhã ser brumosa, embaciada pela trémula luz que a cortina de nevoeiro deixa passar, que os olhos continuavam repletos de feitiço.
Pois a arma mais destemida que podemos terçar é a que derrota a pulsão opressora das importunações.

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