In https://www.youtube.com/watch?v=_Adp77ivpT8
(Advertência parental: texto de elevado
teor “reacionário”)
Gostava tanto de ser músico de
intervenção! Mas o que faz falta é:
1. Saber compor música. De preferência,
trovas embebidas em vinagre folclórico de vanguarda.
2. Viver num sítio onde o governo fosse
de extrema-esquerda esclarecida e muito científica, sobretudo para os dogmas
que abraça; ou, em alternativa mais suave, de uma esquerda moderna e
trauliteira, que não esconde pez de intolerância detrás dos autoproclamados
pergaminhos de fautora maior da tolerância (desde que com ela se concorde).
3. Viver num sítio onde não pudesse ter
a opinião que quisesse, sobretudo se ela viesse em contramão com o dogmatismo
padronizado, sem que não corresse o risco de ir dormir num calabouço antes de
ser degredado para um insalubre campo de reeducação (eufemismo para campo de
concentração).
4. Viver num sítio onde todos os dias
fossem angústia da clandestinidade, sem saber onde pernoitar em cada noite,
sempre foragido dos funcionários do partido que, envergando fatiota operária
(ou, na versão mais suave, roupa de marca a quadrar com a citadina burguesia),
andam de atalaia para saber quem comete o supremo crime da dissidência.
5. Viver num sítio onde não houvesse
propriedade privada, e toda a população fosse obrigada a viver nos cânones da
felicidade decretados pelo governo, submissa e ordeira. Ou, na versão mais
suave de proto-ditadura, viver num sítio onde houvesse pouca propriedade
privada e a mesma fosse detida por uns oligarcas gananciosos que sustentam o
aparelho do poder.
6. Viver, em suma, num sítio onde as
liberdades individuais não fossem vãs promessas, mas atropeladas sem remição.
Como não vivo num lugar destes e como
não sei compor música, há uma impossibilidade de ser músico de intervenção. E
se acaso fosse possível sair da impossibilidade através de uma janela de
escassa possibilidade só para ser, por um dia, músico de intervenção, seria
para dedicar as seguintes estrofes a todos os músicos de intervenção que são
sacramentados de cada vez que a revolução de abril chama gente para a rua em
sua eucaristia:
O abril que celebro
não é o abril dos militares
noutro abril repouso meu ombro
para fugir aos raivosos ditadores
que queriam da liberdade um escombro
e de nós, em servidão, submissos cultores.
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