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As sombras todas. Vultos. Mordem no
pescoço mal os pés avançam no labirinto. As paredes são espelhos. Cortinas de
espelhos. Espelhos baços. Só deixam ver penumbras. Não há lugar à nitidez das
formas de quem neles se retrata. Às vezes sussurram palavras ininteligíveis,
rumores que esbarram nos ouvidos sensíveis. Os pés não se intimidam, errantes
no labirinto enigmático. Há espelhos que parecem retrovisores. Espelhos que nos
fitam desde o chão e espelhos que adejam sobre nós. E nós, que nos perscrutamos
na aridez do tempo. Os espelhos que irradiam a simplicidade das formas parecem
propositadamente ocultados. Forçam os olhos a um esforço quântico: separar as
formas embaciadas que sobram dos espelhos fumados, que são em número dominante.
Às tantas, empertigamo-nos com os espelhos pretéritos. Não é uma melancolia:
soa a nostalgia, como se o labirinto tratasse de depositar aos nossos pés um
passado intacto. Mas os espelhos depõem esperanças. O que deixam aos nossos pés
são as ruínas de outrora que vociferam, por si mesmas, a sua perfeita
inutilidade. No meio do jogo, as sombras soçobram. Aquietam-se nas heráldicas
cinzas que sobejam das ruínas. Na cornucópia de sombras que se sobrepunham num
demencial desenho, os pés furtam-se à covardia dos espelhos baços ao desfazerem
uma esquina. E, de súbito, as paredes são feitas de ladrilhos policromáticos, o
ar ampara-se na sua leveza, antevendo uma sonora gargalhada de perfume. Uma
brisa anuncia o mar por perto. Talvez o mar por dentro se o impasse sair derrotado.
Ao fim de um corredor comprido, tão comprido que o cansaço parecia dá-lo por
interminável, configura-se um singelo espelho. À medida que a distância se
liquefaz, os olhos estremecem. Não é um espelho – e um espelho podia ser
sinónimo de outras sombras, tão indesejáveis como as de há pouco. É uma janela.
Para fora do labirinto. Ensinando que os espelhos madraços, corroídos pelas
sombras que pertencem ao tempo gasto, não são penhores de boas culturas. Os
quadris empoleiram-se no parapeito da janela. À última hora, uns braços
invisíveis querem empurrar o corpo para dentro. As pernas fraquejam. Num último
remoço, arremetem para fora da janela – e arremetem decididas. É lá que vive o
tempo que interessa. Sem sombras, nem espelhos.
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