10.4.14

O homem sem amigos

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Andava à cata de lágrimas perdidas no chão. Demandava os cicerones da lucidez se a razão não tinha embotado no nevoeiro que teimava. Olhava para o mar desarranjado e sondava as sereias escondidas se não se tinha perdido a meio do caminho.
Por onde passava só existia o trinado da solidão. Não tinha amigos. Não estava perto da família. Ou não tinha família por perto. No trabalho só pesava a indiferença e o anonimato da existência (mal sabiam o nome dele). E, contudo, não se lembrava de uma mágoa que fosse. Não tinha recordação de verter lágrimas ou de lhe doer a solidão. Afastara-se, por sua vontade. Quisera rumar a um lugar desconhecido e remoto. Respondeu à erupção de uma demanda sem freio que o encomendara a um exílio interior, demorado. Não sentia falta do que deixara. Parecia desejar a solidão que noutros deixaria um sabor a melancolia.
Neste tempo de exílio voluntário, aprendeu a conviver com a solidão. Havia dias seguidos imerso no silêncio – e, às vezes, era o silêncio que doía. Temia que as palavras ditas se enferrujassem com o destreino, ou que a voz ficasse amarrada na falta de uso das cordas vocais. Era quando dava consigo a fazer como os dementes que se julgam prisioneiros de múltiplas personalidades e desatam a falar alto sem terem ninguém por perto. Havia noites de insónia. Não eram por causa da solitária condição a que se entregou. (Ou disso se quis convencer.) Nos despojos da insónia errava pelas ruas da cidade, multiplicando a sua solidão pela solidão noturna que tomava conta da cidade. Paradoxalmente, era quando reavia as forças que a certa altura julgava exíguas.
As fartas rochas que tombavam sobre as margens do rio eram a embocadura dos pensamentos. Nem o cheiro pútrido, fazendo adivinhar que naquele canto muitos se aliviavam de águas excessivas, apoquentava os pensamentos. Ficara tudo tão longe que do que ao longe ficara já não lembrava rostos, palavras, gestos. O que era temporário começou a ter sua demora. Não era um novo começo. Nem era uma continuação de nada que viesse de trás. Era apenas uma diferença alinhavada no canto minimalista das andorinhas a caminho do exílio. Porque há exílios necessários. O respeito por si mesmo o impõe.

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