23.4.14

Rodeados de servidão por todos os lados (e sermos convidados a perpetuar o gosto)

In http://material.jornal-fundamental.com///noticias/FOTOS_ALENQUER/ALENQUER%202012/finaçasCOR.jpg
Descontando a alusão sexual, a idiossincrasia nossa é a relação entre um sádico e os demais, que ao seu poder se submetem e que são educados, desde a terna idade e nos bancos da escola, para serem masoquistas. Isto talvez explique um dos mitos urbanos acerca da têmpera deste povo: que somos mansos, desligados de convulsões que impliquem o uso da força bruta, os tais brandos costumes a que vulgarmente se faz alusão. Somos assim porque somos abúlicos, ou porque somos instruídos a ser apaticamente bovinos, amestrados perante as criaturas que se apoderam da roda do poder e que fazem garbo dessa condição escondendo-se em mansas falas? À medida que o tempo passa, e enquanto vão desfilando exemplos sem conta, que vêm de todos os quadrantes políticos com visibilidade pública, inclino-me para a segunda opção.
Hoje esbarrei noutra prova. No meio do escarcéu com alto decibéis, porque a troika aterrou para a última avaliação periódica, fez-se saber que o governo vai fechar metade das repartições de finanças. Já que tanta gente vocifera contra os "cortes", e que o povaréu, acolitado por gente ilustre que é porta-voz de correntes críticas, protesta contra a sangria nos serviços públicos, vou às palavras sentidas do porta-voz dos autarcas, que tem linhagem socialista. O senhor Machado, autarca de Coimbra, depois de adjetivar com estrépito a decisão de encerrar metade das repartições de finanças (“repugnante”, assim lavrou), verteu lágrima de crocodilo com o propósito de requisitar a emoção do público mais desatento. E sentenciou que as repartições de finanças são um símbolo da ligação entre a república e o cidadão. Ato contínuo, reprovou a intenção de encerrar tantas repartições de finanças, pois a população desses lugares iria perder uma bússola – quase como se ficasse órfã.
Faltou completar o raciocínio, sem omissão de palavras relevantes para o mesmo: de facto, as repartições de finanças são um símbolo da república junto dos cidadãos. Mas não da ligação entre ambos, porque essa teria de ser fundada na vontade de ambas as partes, o que não parece ser líquida conclusão. Será, para muitos cidadãos, para o efeito involuntariamente transformados em contribuintes, um símbolo da opressão da república sobre o cidadão, na forma do esbulho fiscal que não tem travão.
O senhor Machado é o sádico de serviço que usa falinhas mansas e recorre à retórica retorcida para nos amansar e assim sermos involuntariamente levados à condição de masoquistas. Pois se o que nos pedem é que protestemos contra a extinção dos lugares onde sobre nós se abate o esbulho do suor do trabalho, e que sejamos peões nesta estratégia, é porque nos pedem para levarmos no lombo e dizermos, ao mesmo tempo, que estamos a adorar.
A servidão que estas “lições de cidadania” nos serve é um veneno. Ele sim, “repugnante”.

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