16.4.14

Um homem bom

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Juras imensas. Juras que, de serem tão repetidas, já eram perenes. Não perdia a peugada de uma promessa se ela viesse ungi-lo com mudança. Fartara-se de ser vilão. Ou cansara-se de achar que os outros nele viam um vilão. Mas esta vilanagem não era maldade pura. Era um enlevo pela provocação, um esteio das horas madraças em que as teimas tomavam conta do tempo.
Deste tempo açambarcado, em que se penhorara como réu de um punhado de sentimentos de que não sobrava orgulho, carecia de distância. Sabia-se fautor de um viajar sobressaltado pelo tempo. Nem sequer havia tempo para admitir a escassez do tempo e de como eram inúteis as demandas da ignobilidade. Queria que os fidalgos sentimentos arrimassem. Que fossem o equinócio de onde dimanavam equilíbrios outrora ausentes. Queria – queria tanto – ser um homem bom. Sentir o que era ser um homem bom. Não era recolher o aplauso alheio, que essa não era empreitada que o movesse entre as pingas da chuva. Apenas queria saber o que era ser-se homem bom.
Andou dias a eito a interrogar-se como fazer para se tornar um homem bom. Leu literatura a preceito – daquela literatura que tudo simplifica, como se até as coisas complexas viessem despidas dessa complexidade. Congelou irritações que o apoquentavam. Esqueceu-se das personagens que o fariam habitar nos antípodas, caso houvesse precisão. Aconselhou-se com um par de entes queridos. Voltou ao pretérito para entender as malfeitorias que havia feito (ou as de que vinha acusado, só para perceber se vinham cobertas de fundamento). Isolou-se, longe de casa, longe de todos antes que deixasse de ser tempo da peregrinação pelo interior em sobressalto. Muitas perguntas continuaram sem ter deslinde. Quando aportou ao cais que era o seu e olhou de frente nas pessoas de sempre, estava inseguro de que mudara a sua têmpera. Queria – queria muito – ser um homem bom. Não estava seguro da transfiguração. Podia ser que no doravante as águas fossem bonançosas e não houvesse senão carestia no desassossego angariado pela vilania.
Sentia, contudo, o aligeirar do peso sorumbático: ao menos sabia que fora, em tempos idos, feitor de crueldades. Admiti-lo era, em sua pura esperança, a confirmação de que era um homem bom. A lucidez dos tempos era prevenção de tais malfeitorias.

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