Sensible Soccers, "Sob Evariste Dibo", live at Oliva Sessions, https://www.youtube.com/watch?v=Q25Ol-86a_Q
E se formos passageiros dentro de nós mesmos e acharmos ramos perecíveis, ramos que já deixaram de ter serventia, ramos por onde se esbulham os movimentos? Ramos que parecem frondosas construções divinas, com farta ramagem de onde pendem cachos de uvas que exalam o perfume dos deuses?
Não nos deitamos na letargia. Nem nos apoquentamos com o sol outonal, que mais parece um feixe do estio fora do tempo, a fermentar o adocicado das uvas em que vêm beber pássaros e abelhas famintos. Não nos iludimos com a paisagem bucólica servida nas ramagens avivadas e nos bagos de açúcar que tingem a paisagem com um variegado de vermelho forte, quase negro. Antes de as folhas perecerem e ornamentarem a paisagem com o acobreado que enfeitiça os olhos dos viandantes, tratamos de despejar os braços das adiposidades frutais. Antes dar-lhes finalidade do que sobejarem nas ramagens e lentamente adormecerem no decaimento do outono, como matéria morta incrustada em matéria viva. Antes que se passe para um contágio insalubre e até aos braços se contamine a doença, dispam-se as uvas para o alguidar do vinho, destronem-se os galhos da vegetação frondosa na sua coloração acobreada, metam-se as mãos dos ajudantes na função e despojem-se todas as cicatrizes que possam infetar no tempo que está por vir.
Fazemos vindimas para não decair num estertor decadente. Os frutos que daí vêm, e o néctar que por seu intermédio há de ser colheita, são erupções acessórias. Ou talvez sejam, apenas, a condição que pereniza os braços onde se vêm alojar, com a periodicidade das estações, mais ramagem que é o chão de onde vêm os doces frutos.
Fazemos vindimas como prova de vida. Descontemos o etnográfico: os operários, que são como curandeiros, amanham com suas mãos marcadas e rudes as vides que pedem alívio. Os turistas extasiam-se com a função. Os operários ganham um ganha-pão. E as videiras rejuvenescem para outra temporada, descamisadas à espera dos rigores do inverno. São de têmpera rija e não reclamam agasalho. Fogem às convenções do clima e da indumentária a preceito. Entregam-se nuas à invernia que estiver para vir.