11.9.14

Vamos com a maré que a noite traz


Craig Armstrong, "Let's Go Out Tonight", in https://www.youtube.com/watch?v=tWj1AboQZU0
Arruma o sono. Traz na boca o seu adiamento. Que temos uma maré lá fora, uma maré noturna, de atalaia à espera que dela sejamos testemunhas. Vamos por ela, a noite furtiva, sem sermos vultos clandestinos. Vamos por ela, enlaçados no veludo que tomou conta das mãos. Sem rumo. Por onde nos apetecer. Parando em apeadeiros lustrosos, onde as luzes sejam um oráculo do devir que somos. Apetecendo olhar para o luar que parece maior que o céu, vamos subir ao promontório para estarmos mais perto da lua. Vamos bebê-la, à lua que se não abotoa nas nuvens que tingem o céu. Vamos às orações que vêm das nossas entranhas, consagradas com um cálice de vinho de ouro. Apalavramos a noite e ela devolve-nos a sua quietude em forma de árvore frondosa diante dos olhos, a árvore onde metemos as mãos que nela se fazem suas raízes. Abraçamos o caule que vem da terra, sentimos o odor da terra que entretanto se molhou com uma chuva estival. Continuamos a demanda. Erramos sem destino, porque esse é o destino que escolhemos. Saciamos a vontade de sermos plenos, frontaria férrea que ampara os alicerces, à prova de terramotos. E sorvemos a frescura do ar quando a alvenaria das casas começa a esbranquiçar mal o sol espreita na alvorada. Não demos conta do tempo passar. É o maior triunfo que levamos. Pois da existência guardamos os olhos que marejam com as palavras ditas, as palavras que são tiradas à medida da pele que se arrepia. Deixamos a noite para trás enquanto o sol se faz alto. Olhamos para trás do ombro e vemos que as ruas por onde passamos ficaram debruadas a ouro. Pode ser que outros consigam recolher as flores que oferecemos à soleira das casas. Pode ser que conheçam, então, a quimera que vem do apelo da maré da noite. Com ela vamos e na madrugada depomos os vestígios das ruínas que medravam no sono inquieto. Agora que viemos da bênção da maré noturna, somos inteiros e recíprocos nos sonhos. E sabemos que os sonhos já não são uma alquimia; fomos nós que abraçamos a alquimia. Nós somos essa alquimia.

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