Craig Armstrong, "Let's Go Out Tonight", in https://www.youtube.com/watch?v=tWj1AboQZU0
Arruma o sono. Traz na boca o seu
adiamento. Que temos uma maré lá fora, uma maré noturna, de atalaia à espera que
dela sejamos testemunhas. Vamos por ela, a noite furtiva, sem sermos vultos
clandestinos. Vamos por ela, enlaçados no veludo que tomou conta das mãos. Sem
rumo. Por onde nos apetecer. Parando em apeadeiros lustrosos, onde as luzes
sejam um oráculo do devir que somos. Apetecendo olhar para o luar que parece
maior que o céu, vamos subir ao promontório para estarmos mais perto da lua.
Vamos bebê-la, à lua que se não abotoa nas nuvens que tingem o céu. Vamos às
orações que vêm das nossas entranhas, consagradas com um cálice de vinho de
ouro. Apalavramos a noite e ela devolve-nos a sua quietude em forma de árvore
frondosa diante dos olhos, a árvore onde metemos as mãos que nela se fazem suas
raízes. Abraçamos o caule que vem da terra, sentimos o odor da terra que
entretanto se molhou com uma chuva estival. Continuamos a demanda. Erramos sem
destino, porque esse é o destino que escolhemos. Saciamos a vontade de sermos
plenos, frontaria férrea que ampara os alicerces, à prova de terramotos. E
sorvemos a frescura do ar quando a alvenaria das casas começa a esbranquiçar mal
o sol espreita na alvorada. Não demos conta do tempo passar. É o maior triunfo
que levamos. Pois da existência guardamos os olhos que marejam com as palavras
ditas, as palavras que são tiradas à medida da pele que se arrepia. Deixamos a
noite para trás enquanto o sol se faz alto. Olhamos para trás do ombro e vemos que
as ruas por onde passamos ficaram debruadas a ouro. Pode ser que outros consigam
recolher as flores que oferecemos à soleira das casas. Pode ser que conheçam,
então, a quimera que vem do apelo da maré da noite. Com ela vamos e na
madrugada depomos os vestígios das ruínas que medravam no sono inquieto. Agora que
viemos da bênção da maré noturna, somos inteiros e recíprocos nos sonhos. E sabemos
que os sonhos já não são uma alquimia; fomos nós que abraçamos a alquimia. Nós
somos essa alquimia.
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