In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqLhio8E__bCHEppgDihZix64910qrw6gRkMaZ4zPHrhYsKwXt7MaVwJqfA4EMIxDHC7Ah19VwKcSuoYWv55nasqFNV6nB6lza2SqMQ-F0l9Krmd5qV87KTPw8qlYksBco2js3/s320/tesoura_sangue1.jpg
As tesouras estavam com as hastes abertas, até
ao máximo que a flexibilidade deixava. Uma tinha ferrugem. A outra parecia
nova. Mas era a primeira que cortava a preceito. Talvez tivesse sido amolada há
pouco tempo. A nova, talvez por ser nova, ainda tinha as lâminas por estrear.
Não estava adestrada para a função.
E a função, naqueles propósitos, exigia uma
tesoura muito afiada. Uma tesoura que não deixasse aparas, pois os vestígios eram
prova dos danos semeados algures. Era daquelas coragens cheias de tibieza.
Falava como poucos. Enchia o peito de ar e prometia devastação por onde
passasse, polémica com quem fosse antagonista, terramotos de emoções, pois não
deixava as coisas pela metade. Mas na altura de deixar o seu selo, preferia o
anonimato. Preferia as palavras ambíguas, porque era menos custoso deixá-las
preparadas para serem entendidas nas entrelinhas. Por isso precisava de uma
tesoura muito afiada. Para pegar nela em luvas de pelúcia, esquartejar onde lhe
aprouvesse e deitar-se no remanso da noite sem a aflição que era a sua vidinha
desinteressante. Precisava que a tesoura afiada deixasse remorsos. Não era um
acesso de bondade, nem cuidava de apalavrar o arrependimento; era só para se
esquecer da sua triste existência. Por isso procurava desdenhar dos outros. Fazia
gala em ridicularizá-los. Empenhava o melhor latim e a pérfida estratégia para
fazer mal aos outros. A tesoura cuidava da função.
Era como se a tesoura fosse espetada com um
golpe seco e fundo. Pelas costas, como convém a estes corajosos de latrina que
se escondem na bravura que não pode ser (por falta de aviso) contraposta pelas
vítimas. Afiada a tesoura na mó do merceeiro, não demorava a fazer estragos.
Atacava sem que as vítimas dessem conta. Quando metia a tesoura na carne das
vítimas, abria as tenazes e rodava-as de um lado para o outro, o mais fundo que
conseguisse. Era um golpe fatal. Excitava-se com o sangue a esvair-se.
Paramentava-se a preceito. Escolhia a melhor
roupa. Depois da barbárie, ensanguentava a fatiota como medalha da proeza. A
tesoura não ficava enfaixada no corpo da vítima. Não podia deixar provas da
aleivosia. Mas o mais importante era guardar a tesoura, o sublime troféu que
trazia dos corpos inanimados de quem era algoz. Era troféu e promessa de novas
maldades. Essas, que eram ânimo para o sono que já não era contumaz.
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