In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxFrV82p6_ECssTme-pr-Is0HyuIZB-zhF5NxK2oQYXoVYLfse46dUrZi7StPdrjhvx71iwYu_oW5kGWL6z8IRqIIfNHmid7MMhRuVUW-E5FpreHGo6mF5j5vCkLAsfq0JHlh4CQ/s320/de+costas.jpg
Era tudo dicotómico. Uma coisa e o seu
contrário. Em radicais opostos. Uma afirmação continha sempre uma negação: o
que se afirmava era a negação do seu exato contrário. Os olhos tinham bússolas
que os faziam disparar de um lado para o outro. Só eram capazes de estugar o
olhar para os lados opostos, sem saberem como travar o passo a meio, ou algures
longe de uma das extremidades.
Não havia tolerância no vocabulário. Nem
cores, só o preto e o branco. As metades, não necessariamente iguais, terçavam
armas. Sem repouso. Eram mercados argumentos, ardis irrefutáveis, animosidades
que depressa iam pelo valado da violência. E ninguém parecia ter aprendido com
a história, ela toda manchada de sangue derramado e de óbitos inúteis em nome
(dizia-se, para enganar os tolos) de causas divinas, patrióticas, homéricas, ou
sebastiânicas, sempre na lógica de uma coisa e do seu irreconciliável
contrário.
Mal dos líricos que procuravam um ponto
de encontro entre as radicalidades, dos que queriam inventar mínimos
denominadores comuns só para aplacar a ira dos opostos. Desses líricos não
sobrava muito tempo: eram odiados pelos funestos tutores dos opostos
desembainhados. Ao menos conseguiam essa harmonia: nem uns nem outros deles
gostavam. Pagavam cara a ousadia. Como não eram preto nem branco, estava-lhes
destinado o exílio de onde amanhavam a solidão, acorrentados à elusiva
diferença. Eram apóstatas, uma ralé que nem sequer era reconhecida pelo
arremedo de conciliação que podia desaguar numa desconhecida serenidade. Não: o
que importava aos sacerdotes dos opostos sem freio era manter as diferenças,
renegar o outro (aleivosamente chamado inimigo), dobrar-lhe o braço à primeira
oportunidade, para triunfalmente erguer o queixo ao alto, esvoaçar os
estandartes com o escudo fundacional bordado, e ostentar a superioridade da
fação. Alimentavam-se deste desabitado espírito guerreiro. Os do branco
exaltavam a alvura, cada vez mais purificada. Os do preto decantaram todas as
impurezas que embotavam o breu da indumentária. Não havia pontes possíveis.
Entre a carnificina ignóbil, que ia
cavando sepulturas que envenenavam o chão, um punhado de dissidentes descobriu
as cores. Clandestinos, ungiram o ar com a alegria furtada aos rostos
sorumbáticos dos que teimavam em pastorear o preto e o branco.
1 comentário:
Imagino o tempo a avançar pelas ruas do mundo (muitas delas feitas de “asfalto humano”) como uma câmara inquieta. Um tempo amordaçado que, por vezes, já nem sabe qual é o seu papel… Creio que é nesses momentos que o tempo elege as mãos de alguém e nas suas linhas escrevinha o que captou – um rascunho do indizível - pois sabe que essas mesmas mãos o vão revelar sem magoar as palavras … esse néctar.
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