In http://uploads2.wikiart.org/images/edouard-manet/the-monet-family-in-their-garden-at-argenteuil-1874(1).jpg
Tem as mãos inchadas de tantas notas
ostentar. A abastança contrasta com o pardieiro de onde vem de origens. Trepou
a escada do êxito. Teve olho para o negócio. E prosperou.
Começou a conviver com gente
endinheirada. A imitar comportamentos. Se a linhagem dos abastados era o
perfume do consumo requintado, o burgesso tinha de se aprimorar na fineza.
Observador, começou por anotar comportamentos à medida que alimentava as borlas
que os finos de fino recorte precisavam. Anotou o que diziam os das famílias
endinheiradas e seu séquito, o que comiam, onde comiam, os temas de conversa,
as vernissages obrigatórias, os objetos de ostentação, a roupa que distinguia a
seita, as artes que passou a frequentar. O problema é que o berço humilde,
miserável até, não deixava esconder as lacunas por onde escorriam os lapsos de
língua, os lapsos de postura, os lapsos, apenas lapsos, que revelavam a
terrível vacuidade em que medrava.
Fazia-se transportar em potente bólide,
nem que as mãos e os pés muitas vezes não soubessem domar a potência
sobredotada. O bólide passou a ficar guardado na garagem para o fisco não
desconfiar dos sinais exteriores de riqueza e não o interrogar pelos parcos
réditos declarados. Documentava-se, contudo, para poder intervir nas conversas
de salões onde os ricos trocavam impressões de amador sobre as proezas ao
volante de quem a conta bancária numa offshore
permitira a compra do brinquedo. Fazia gala de amesendar em restaurantes de
fino recorte gastronómico, onde se serviam à mesa os parcos repastos que faziam
gala aos modismos gastronómicos do momento. O pior da transfiguração foi a dieta
durante os outros dias, pois uma rechonchuda personagem não quadrava com os
círculos distintos onde também havia conversas sobre as iguarias degustadas, forma
física a custo e amantes proletárias e
submissas.
Ele e a consorte socializavam nos
círculos das artes. Iam às óperas, mal conseguindo esconder o bocejo prolongado
a sinalizar a precisão do intervalo. Iam às exposições, onde os ricaços
competiam no arrematar de obras de arte como quem competia na comprovação de
façanhas sexuais. Arrematou alguns quadros impressionistas. A consorte achava
que a palete de cores combinava com a decoração da mansão. Nunca se lhe ouviu
uma palavra hermenêutica acerca dos quadros que, por falta de espaço, passaram
a preencher as paredes frias da garagem onde hibernava o bólide de elevada
potência. Como se fazia constar que tinha atribulações com a gramática no
discurso falado, teve lições privativas com eméritos professores. Ensinaram-lhe
gramática, sintaxe, figuras de estilo e truques para manter um discurso com fio
condutor e sem atropelos à língua nativa. Também aprendeu a jogar golfe.
E, tudo isto, sem que embolsasse grande
prazer. Eram os imperativos da socialização com a casta de endinheirados. Às
vezes, ao deitar, entrava na antecâmara dos sonhos, escorregava para o pretérito
do novo rico em que se transformara. E sonhava com gastronomia popularizada, a
motoreta e as viagens com o ar a esborrachar-se no rosto gordo, a música de
arraial, um mundo sem pintura indecifrável, as férias no sul pejado de turistas
ingleses, a boçalidade em forma de palavra e de gesto, a adiposidade a mais
que, todavia, dispensava sacrifícios das dietas. Mas não podia decair. Os
pergaminhos tinham sido ganhos a tanto custo, não podia decair. O mundo em
simulacro era o seu habitat natural.
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