Groove
Armada ft. Bryan Ferry, “Shameless”, in https://www.youtube.com/watch?v=mfZGnq_IRYc
O que são as migalhas, se
não o torpor onde acamam os vestígios do que teve importância?
Diz-se que, ao serem
sobras, as migalhas são subprodutos. Coisas menores. E como às coisas menores
atribui-se a desimportância que elas contêm, é norma não encestar a atenção nos
vestígios que sejam migalhas. Todavia, há sempre uma entrose ao que se julga
serem as regras. Ou quem não as veja como regras, julgando-as como fantasmas
que não merecem a caução de regras. É por isso que as migalhas não são tão
desimportantes. Quem lhes acha serventia saberá o que os move a tal achado.
Talvez tenham, como restos últimos de algo que seria iguaria ímpar nos
interstícios da frugal existência, um valor só creditado às coisas raras. As
migalhas são, porventura, a quintessência do que lhes deu origem. Nesta entorse
do que os olhos veem, estão abraçadas à raridade. E são-no: quem se lembra de
andar a depenicar migalhas, se tem à mão de semear o produto de cujas sobras
vem o subproduto das migalhas?
Há os que têm uma
capacidade singular para trocar as mãos pelos pés, achando que o acessório é
que merece atenção e o essencial é varrido para um canto da sala. Não saberão,
talvez, que estão de mãos e pés trocados, ou não se acharia préstimo em
pensarem com as voltas trocadas. Pode ser uma questão de miopia mental. Ou
entropia. Mas o que conta é a posição em que cada um se acha. Desse equinócio,
as coisas podem ter diferentes miradouros. Podem ter diversas cambiantes. Ou,
nos miradouros diferentes, podem repousar os olhos de diferentes personagens a
decantar a paisagem. Olhando coisas diferentes, sob luminosidades diferentes,
com preferências que são heterogéneas.
É como embelezar frases
com vírgulas e pontos e vírgulas quando elas podiam passar pelo crivo do ponto
final. Personagens embebidas em complexidade. Na exata proporção da sua
desimportância. Como os tordos, conhecidos por andarem à cata de migalhas e por
serem alvos fáceis para caçadores furtivos.
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