4.6.15

Não se deita fora tanto amor

Ornatos Violeta, “Ouvi Dizer”, in https://www.youtube.com/watch?v=d_uIe7S0T4k
Havia uma ponte em Paris que quase arqueava de tantos cadeados do amor presos à armadura. Começou por um. Depois mais uns quantos. Depressa foi o passa a palavra. Entre os parisienses e, diz-se, sobretudo entre os turistas. Não havia par enamorado que não aportasse o seu cadeado ao gradeamento da ponte. Já era conhecida como a ponte do amor. Os amantes queriam imortalizar o amor de que eram tutores. Era como se tal amor ficasse lacrado na vertigem imorredoira do tempo no cadeado agrilhoado à estrutura metálica da ponte. Os amantes levavam a chave com eles. O cadeado era indestrutível. Julgava-se, tal como o amor assim simbolicamente selado.
Mas as leis da física passaram rasteira aos tantos amantes que deram fervura ao mito urbano. A estrutura metálica da ponte não aguentou tanto peso mercê dos muitos cadeados a ela acorrentados. Os engenheiros, essa gente de coração esquálido, fizeram cálculos. A ponte ia abaixo se os enamorados continuassem a sobrecarregá-la com os cadeados. O presidente da câmara foi célere na decisão. Vieram uns operários, também de coração empedernido, e libertaram a ponte das toneladas de cadeados. E todas aquelas provas de amor foram pelo rio Sena fora. Dissolvidas.
Os engenheiros e os operários e os mandantes, desapiedados como são, desestimaram o valor simbólico do amor selado nos cadeados. Talvez houvesse poetas, e outras personagens líricas, a protestar. Que se encerrasse a ponte – reclamariam, como solução alternativa. Ou ela que caísse, se tivesse de cair, arqueada sob o peso de tanto amor assim simbolicamente imortalizado. Não há direito. Não se faz, dissolver as provas consumadas de tanto bem.
Mas os engenheiros aconselhando os mandantes e estes por sua vez ordenando aos operários a operação de limpeza não se comoveram. Assim como assim – terão pensado, em heurística libertação de possível má consciência – um amor transcende a pequenez destes atos simbólicos. Se esse amor é intransigente, não depende do frívolo acorrentamento ao gradeamento de uma ponte que adeja sobre o rio Sena. (Isto já sem contar com os amores que foram ajuramentados à eternidade e que deixaram de o ser; que serventia tinham os cadeados correspondentes?)
A frieza dos números derrotou todos aqueles amores, sinceros ou apenas cogitados, despojados assim da sua épica vestimenta. Paris perdeu uma ponte do amor. Mas foi só isso.

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