26.6.15

Sitiado


Joy Division, “New Dawn Fades”, in https://www.youtube.com/watch?v=7XRfeZJjOkI    
Preciso de uns óculos para me ver de fora para dentro. Preciso de perceber os freios que comandam a omissão. Preciso de sair de mim e de fora ver o que os outros vêm. Preciso de viajar pelas imediações de mim, sentir o odor que de lá vem, o arquear do dorso enquanto ando, as rugas que pautam o envelhecer, e como a madurez tinge de cores neófitas o tempo passante. Preciso. Nem que seja para fazer uma rasante às fronteiras de mim, sentir o chão que sou, apalpar a pele suada, ver de que cor vêm perfumados os olhos enquanto se marejam na urgência do porvir. Quero saber o espaço vital que sou. Quero ler de fora de mim as palavras que deixo emolduradas. Pois preciso de um lugar centrípeto de onde saia de uma catarse que possa não ser necessária. Talvez precise de perceber que sou quem sou. De aprender a conviver com as bússolas errantes, subindo aos promontórios de onde se alcançam as alvoradas enquanto nos lugares correntes ainda se faz noite. Amadurecendo a singeleza deste eu. Sem ambicionar as desmedidas que não são sonhos, antes pesadelos que furtam o chão aos pés sedentos de tempo. Quero sentir o sangue que vai nas veias. A dor que se deita na carne, quando a dor ganha trono no horizonte das coisas. Preciso que o oxalá deixe de ser consumição perene. E que os ponteiros sejam estalajadeiros que gratificam os dias passantes. Sem pressa, mandando borda fora a urgência que desautoriza o sortilégio do tempo. Preciso de sentir que não sou refém de mim mesmo. Preciso de uma medida desassombrada que ensine os passos todos, como se de um infante se tratasse ao aprender a andar. E preciso que me digam, em sussurro doce, que não sou destravado e funâmbulo, equinócio de inconsequências, santuário de vívidas peles complexas que descamam e deixam o nu à mostra. Deixo os lugares vazios, todos os lugares, à espera de me desacorrentar dos pesadelos cáusticos. Para deixar o lugar sitiado e mostrar, embebido em orgulho, as mãos desenfreadas ungidas a bondade, as palavras apenas dóceis e o olhar refulgente.

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