Irmãos
Catita, “Cagalhon” (ao vivo no Santiago Alquimista), in https://www.youtube.com/watch?v=ponaZDAa2_o
A
barbárie também vem enquistada no pensamento. Fala tão alto que entra pelo
cérebro como se fossem colheradas de cominhos venenosos. Contamina. Infecta o
ar em redor, que herda a insalubridade desse pensamento. Neste pensamento
despenteado pela ignomínia, lê-se pura maldade, um terrível mau fundo. Talvez
irremediável, talvez apenas patológico. Vale tudo. Até a insuportável dose de moralidade,
aferida por medidas herméticas e ditada por imperativos categóricos que não
admitem o contraditório. Para enfeitar o dejeto, uns pozinhos de erudição – que
a erudição quadra bem com elevados intelectuais pergaminhos e, de caminho,
serve para descarregar a sobranceria fétida sobre quem vier discordar.
A
este pensamento despenteado chamo despensamento. Não é ignorância. Antes fosse,
que à ignorância dedica-se uma indulgência, pois a um apedeuta não se pode
exigir mais do que os seus parcos conhecimentos. O despensamento é esbracejado
por gente que (há que o reconhecer) é letrada e que (aparentemente) consegue
diligenciar um raciocínio que obedece aos parâmetros da inteligibilidade. Mas a
história também é para aqui chamada. Ela está cheia de exemplos de perfídia, de
como as superiores capacidades do intelecto são usadas para dar guarida à pura
maldade.
(E
como me custa usar palavras como “maldade” e “bondade”, que ressoam ao
moralismo abjeto que os arquétipos do despensamento não se cansam de ostentar.)
Os
artesãos do despensamento deviam pôr um espelho à frente das fuças antes de
destilarem o ódio que os consome por dentro, antes da adjetivação prolixa,
antes de fazerem lamentáveis ditirambos à custa de deficiências físicas de quem
as tem, antes de esgalharem uns trocadilhos mal amanhados sobre a feiura de
quem não gostam (lá está: é quando faz tanta falta o espelho para reverenciar a
imagem de si mesmo) e arrotarem uma sonora gargalhada antes que a audiência
atinja o calibre do chiste, antes de bolçarem o despensamento que atira para o Tarrafal
do pessimismo antropológico – ou de como é possível acreditar, em pose que
renega o antropocentrismo, que há animais (ditos) irracionais que conseguem, ao
menos, não dar coutada ao despensamento.
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