Mac DeMarco,
“Chamber of Reflection” (live in KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=R65wV3K-dw4
Que terrível o sabor que
assomava à boca de cada vez que um sonho de véspera se materializava no teatro
que era o mundo à volta. Mas nem sempre eram sonhos que tiravam as medidas ao
futuro. De outras vezes, uma premonição deitava-se na pele e, uns momentos
depois, a premonição cumpria-se.
Convencera-se, de início,
que eram apenas coincidências. Uma qualquer conjugação cósmica, ou qualquer
outra explicação, esotérica ou não. Não podia ser predestinado em coisa
nenhuma. Logo ele, que a falta de autoestima determinava um apoucamento de si
mesmo, ele que se reduzia a uma pequenez que não era (vistos estes atributos de
personalidade) lugar onde se sentisse sitiado. Só que as coincidências
repetiam-se. Com mais frequência. Não podiam ser (apenas) coincidências.
Começou, com pesar, a
admitir que lhe tinham sido dadas algumas capacidades que não estavam ao
alcance do comum do mortal. (E como lhe custavam as duas coisas: reconhecer a
destreza para as premonições e olhar de fora de si para si mesmo e notar
qualquer coisa de sobrenatural.) Nunca o confessou a ninguém. Receava que o
vissem como um louco. Ou que escarnecessem dele. Sim, que a má linhagem que
creditava à sua pessoa não tolerava escarnecimentos; tudo tinha um limite.
Aprendeu a conviver com
os dons adivinhatórios. Ao menos, eram sobre coisas comezinhas. Nunca
pressagiara mortes, catástrofes, casamentos, proezas dignas de registo, resultados
de contendas várias, os números da lotaria. Eram pequenas coisas. Contudo,
grandes ao ponto de o importunarem (ao início). A certa altura, já sorria
interiormente quando via confirmados sonhos de véspera ou premonições acabadas
de fermentar no forno do pensamento. Já não as considerava atributos não
acessíveis ao comum dos mortais. Porque ele era um comum mortal e recusava –
isso sim – ver-se em papel contrário. Foi alinhavando uma teoria, só sua e que
nunca foi submetida a prova empírica: muitas outras pessoas teriam dons
idênticos. Nem que fosse pelo resto, a teoria servia para o sossegar por
dentro.
Aprendeu. A ver-se como
relógio adiantado, à frente do tempo presente, levantando um bocado do véu do
que haveria de vir no tempo vindouro. De coisas comezinhas se tratar, não viria
mal algum ao mundo. Não podia este relógio adiantado locupletar o sorriso
próprio de uma criança que recusava deixar de ser.
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