Imploding Stars, “Earthquake”, in https://www.youtube.com/watch?v=xSPIAEjUpBg
Quem se pode gabar de morar num lugar chamado Desterro?
É outra travessura da toponímia lisbonense: há um lugar que se chama Desterro. Não o conheço. Não sei se faz jus ao nome e as casas são horrendas, caiadas de negrume, um lugar nauseabundo de onde as pessoas fogem se puderem. O desterro é um exílio. Se levarmos o conceito no seu sentido literal, ninguém se submete ao exílio nos limites da sua vontade. O exílio é uma punição para crime de grave jaez – pois, de outro modo, a simples prisão teria o condão de cumprir a função. Com o desterro, o crime terá sido hediondo ao ponto de se avaliar o expurgo do criminoso. Ele não merece continuar a coabitar o mesmo espaço dos demais, que se desejam protegidos da má influência do desterrado. Ato contínuo, o degredo como pena aviltante para quem cometeu crime que passa das marcas.
Para quadrar com as circunstâncias degradantes que se quer impor ao meliante, o desterro é um lugar que ninguém quer. Longínquo, destemperado, cavernícola, abjeto, uma autêntica latrina – a antítese do que se considere um paraíso. É isto um desterro. E que Desterro haverá em Lisboa? O que terá levado alguém, autor da toponímia consagrada, a lembrar-se de, àquele lugar, chamar “Desterro”? Como pode a cidade que é capital (que outrora foi de um império) albergar dentro de seus limites um lugar acintosamentechamado Desterro?
Mas há lugar para um olhar pela lente da antítese. O desterro pode ser um destino que se quer. Uma fuga. Mesmo que seja em contrafação do sentimento dominante. Pode haver um desterro voluntário, intencional, por paradoxal que seja. É quando se combina um exercício monástico que exige um sacrifício como compensação da perda de identidade com um lugar a que as convenções chamam o lugar próprio. Pode alguém querer fugir de onde está, não se incomodando que o desterro seja a paragem no fim da linha. Continuará a ser um lugar evitável pela maioria. E um desterro como refúgio para a incompreendida minoria.
Afinal, estar no desterro pode não ser uma reprimenda – e das piores que se pode conceber. O Desterro em Lisboa pode ser uma imagem deste significado. Ou então, pode ser apenas para recordar que houve em tempos, apenas ocupados pela memória, a maldade que se retribua com uma viagem até ao desterro – dizia-se: uma maldade ainda maior. Para não nos esquecermos da bondade dos tempos modernos.