Kfratwerk, “The Robots”, in https://www.youtube.com/watch?v=vpTRDY5XkrY
A geografia das forças é de uma relatividade desarmante. Vemos um pleito desigual. Uns, muito fortes, passeiam na orla do triunfo, dando-se ao luxo de meter as forças a meio gás. Os outros, seus adversários, meãos na força comparada, parecem leões indomáveis com o propósito de limitar os danos da derrota. Olha-se para a arena onde decorre o pleito e parece que os mais fortes têm o dobro dos praticantes em comparação com os mais fracos.
O público que apoia os mais fortes parece letárgico. Já não celebra o que nem sequer considera uma proeza. Estes jogos desiguais diluem a adrenalina. O repetitivo desfile do triunfo faz perder o apetite pela celebração. É como se o próprio triunfo tivesse sido desprovido de interesse, perdendo o lacre de façanha. Algum desse público alheia-se. Falam uns com os outros, entrecortando a conversa quando dão conta de mais um motivo para celebrar os seus, quando o desnível aumenta com mais um golo. À saída da arena, vão anestesiados: triunfos destes não são apimentados, não fazem acelerar a palpitação; não conferem, sequer, o prazer redobrado da celebração que é esbofetear a vitória no rosto contristado do adversário.
O público que esperançosamente apoia os mais fracos passa o tempo todo em efusivo festejo. Só por estarem na arena e serem adversários dos mais fortes é razão de sobra para se encherem de brio. Não perdem o entusiasmo de cada vez que o desequilíbrio se amontoa. Chega o intervalo e a derrota está selada – aliás, todos estes apoiantes dos mais fracos estariam convencidos, antes do pleito ter começado, que esse era o destino que quadrava com todas as probabilidades. Não chegam a iludir-se. É a matéria-prima para extraírem todo o prazer do pleito. Eles nunca chegarão a ser confrontados com o peso humilhante da derrota. A festa imorredoira trata de arrumar essas más convenções sob as pálpebras que irradiam felicidade.
Quase no fim, os meãos marcam um golo. Aproveitaram o desmazelo dos mais fortes, já desinteressados em continuar a cavar um abismo para os mais fracos. O público afeto entra em êxtase. Celebram como se tivessem sido os vencedores do pleito (quando estão apontados à fama efémera do último lugar). O pleito termina logo a seguir. O público apoiante dos meãos continua a celebrar, numa coreografia caótica mas insistentemente estética, como se os seus continuassem a meter golos já depois do pleito terminado.
E aprendemos: os cânones podem-se transfigurar e os que teriam legitimidade para celebrar afundam-se na letargia da rotina, enquanto os que foram açoitados pela derrota desnivelada encontram motivos para uma celebração genesíaca. Todos têm a ganhar alguma coisa.
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