Interpol, “Obstacle 1”, in https://www.youtube.com/watch?v=OC5zHACynR4
“Nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”, Grouxo Marx
Para provar que nem sempre são as antinomias que movem montanhas e nem sempre as ideias se congeminam na antítese daquelas que constituem abundante motivo de desagrado e de desidentificação: serão mais as vezes em que a dissidência tem costura nas bainhas dos que seriam meus cais pela ordem natural das coisas (e o que é a “ordem natural das coisas?”), do que em relação aos que estão nos antípodas. Só assim faz sentido a dissidência. Não se pode ser dissidente de algo a que nunca se pertenceu.
Não adianta ser encostado à parede e assegurarem a minha pertença a qualquer movimento ou ideia, ou o seguimento de um determinado guru. Acontece frequentemente, depois de ter construído um par de frases que são o protesto contra uma posição, ou uma ideia, ou uma pessoa que não são património em que me reveja. Ato contínuo, naquele raciocínio binário que, de tão enviesadas vistas, diz muito sobre a estultícia de quem o pondera, sou colado ao outro lado da barricada. Como se apenas houvesse dois lados da barricada; admita-se que seja o critério mais confortável para a multidão, tudo arregimentar numa coisa e no seu contrário, como se não houvesse um vasto território intermédio com a capacidade para albergar tanta gente que não será território sobrelotado. Este vasto deserto, o território intermédio, é um sinal da confrangedora letargia a que estamos atados.
Pior acontece quando, no rescaldo de uma posição antagónica que se afirma, outros, que perfilham essa posição (de recusa), consideram que pertenço ao seu escol. E eu, que nunca afirmei tal pertença, nem encomendei tamanha proclamação, escuso a colagem cirúrgica e oportunista que tais personagens ensaiam. O pior é quando me colam o rótulo de dissidente logo após ter recusado a pertença a que fui imediatamente colado apenas por ter negado provimento a uma determinada posição, ideia, ou argumento que se encontram nos antípodas dos meus. Não custa desmentir a pertença que alguém, à revelia da minha vontade, decretou; mais oneroso é ter de desmentir a dissidência, depois de colocar os pontos nos “i” e protestar a não pertença que equivocamente me foi pespegada por outros, contra a minha vontade. Custa desmentir a dissidência porque ela não chega a existir: a dissidência só faz sentido, quando antes dela houve uma pertença.
Um dia destes, alguém disse que eu era um lobo solitário, sempre evitando pertenças ou identidades que possam subtrair o império da vontade. Não digam isso muitas vezes, ou acabo por dissidir da minha própria dissidência.
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