7.6.18

A luva de deus


God Is an Astronaut, “This Mortal Coil”, in https://www.youtube.com/watch?v=2KyoT3XClwo
Podia ser sobre a lava de deus – se a atenção se deitasse nas recentes erupções vulcânicas e arrepiasse caminho pelas especulativas sinuosidades da turbulenta relação entre a natureza e deus.
(Nomeadamente sobre a insurgência da natureza que pode dar azo a duas possíveis teorias: uma, a de que deus não existe, pois não consegue ter mão na natureza quando ela se insubordina e semeia destruição, caos e morte; a outra, que interroga se deus – a existir – exerce um domínio avassalador sobre quase tudo, escapando-se de sua omnisciência os fenómenos naturais que imbricam em cataclismo devastadores – o que também seria suscetível de desaguar na inferência da inexistência de deus.)
Mão à palmatória e, quem sabe se por intercessão divina (contradição de termos), um interregno no ateísmo estrutural. Abdicando das (não) crenças – ou a leve impressão de que deus não existe, à falta de prova contundente da sua existência – seja feita tábua-rasa dos alicerces e admita-se que há deus. 
(E não se contempla a hipótese de deus ser um astronauta, em corroboração do que um grupo de músicos terá descoberto, ao ponto de chamar à sua banda “deus é um astronauta”. Não seria desprovida de significado, a expressão – e talvez fosse a chave para um segredo tumular que até hoje não foi descoberto: quem é deus e onde habita? Partindo-se do pressuposto que “deus está em todo o lugar”, e que nos observa de um púlpito, compreende-se que deus seja um astronauta a adejar sobre o planeta, desde a estratosfera. Só assim conseguirá a divina entidade executar um meticuloso plano de vigilância de todos os mortais: precisa de nos tutelar com o distanciamento que é caucionado pela sua presença na estratosfera. Se fosse presença terrena, não só seria uma presença mundana – não se distinguindo dos demais, nem sobre eles exercendo a tutela de que se considera credor –, como seria inviável tomar conta de cada alma humana, por impossibilidade de perspetiva.)
Corporizada a mão à palmatória, segue a interrogação centrípeta: o que esconde a luva de deus? Dirão, em réplica (talvez abespinhada): deus não enverga luvas, as suas mãos puras ungem tudo com a sua bondade infinita. Discordo. Deus terá de usar luvas. Luvas que ocultem a putativa bondade sem limites de que dizem ser lídimo intérprete. Caso contrário – e volto ao ponto de partida – como se explicam as catástrofes da natureza que espalham a morte e a destruição e o caos, a não ser que deus esteja, talvez por fadiga, a proteger as mãos gastas com umas luvas quaisquer?
Sobram duas (modestas) hipóteses de dedução. Primeira hipótese: quando deus enverga luvas, perde capacidades. Ou, segunda hipótese: deus não é a perfeição acabada, ou não precisaria de usar luvas para não desgastar (mais ainda) as frágeis mãos que dão ordenança à sua obra. 
(Ou, terceira hipótese: à consideração do leitor.)

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