26.6.18

Os ingleses só sabem atirar bolas para a grande-área do adversário (digressão sobre a monotonia)


Marlon Williams, “What’s Chasing You”, in https://www.youtube.com/watch?v=zchdH3zAYAE
Ele estava à mesa do café, enquanto na televisão passavam as imagens de um jogo de futebol. Era a Inglaterra contra outro país. Espreitou (não que tivesse interesse na modalidade, nem estivesse entusiasmado com o certame que decorria). Veio à lembrança uma memória longínqua, da pós-adolescência. Estava num campo de férias, algures em França. Era um evento cosmopolita. Entre os participantes, havia uma amostra de grande parte das nacionalidades europeias. Até dos países de leste, que acabavam de se desembaraçar do comunismo, libertando as amarras que amputavam os movimentos destes jovens. Os ingleses eram dominantes. O inglês, o idioma franco, o mínimo denominador comum entre toda aquela gente, o padrão exigível para um mínimo de comunicação. 
Certo dia, combinou-se um jogo de futebol entre os rapazes. (Ele não pode fazer nada contra este laivo de sexismo, hoje intolerável; o episódio passou-se há mais de vinte e cinco anos, quando ainda não era politicamente incorreto separar os géneros nas manifestações desportivas.) De um lado, os ingleses. Do outro lado, um macedónia de nacionalidades. Naquela altura, os ingleses eram os mais altos. Especialmente quando eram cotejados com os latinos, ainda de meã estatura. Tal como acontecia nas manifestações desportivas. Quando as equipas inglesas disputavam um jogo de futebol contra equipas de países latinos, os ingleses exageravam nas bolas pelo ar para a grande-área da equipa adversária. Estavam convencidos que a diferença de alturas faria a diferença. 
(Também ficou popularizado o mito de que os baixotes italianos, sempre dois passos à frente dos demais no que toca à congeminação de expedientes que pudessem adulterar as forças dos adversários, mastigavam alho durante os jogos e exalavam o bafo insuportável no rosto dos longilíneos avançados ingleses antes de mais uma bola despejada para a grande-área. Como os ingleses se dão mal com o odor do alho, perdiam capacidades de impulsão e os seus planos táticos soçobravam diante do modesto alho.)
No jogo multinacional entre os rapazes do campo de férias, tudo isto foi reproduzido (menos os dentes de alho mastigados pelos defesas da equipa adversária dos ingleses): as bolas eram atiradas pelo ar para a grande-área, à espera que os muito altos rapazes ingleses conseguissem tirar partido da estatura e meter a bola na baliza. Foi assim o jogo todo. Ele só se lembrava que apesar do jogo insistente e da maior estatura dos ingleses, a vitória pertenceu à equipa que era uma constelação de nacionalidades, com destaque para os latinos. A criatividade sobrepôs-se à monotonia.
Uns dias mais tarde, ele lembra-se da confissão de uma francesa, seu flirtde ocasião, que já tivera namorados ingleses (ema certa predileção, que ela não conseguia explicar). De acordo com a rapariga, os ingleses eram todos uma maçada, repetitivos, monótonos, sensaborões. A léguas da criatividade do rapaz português.

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