Joe Goddard, “Music Is the Answer”, in https://www.youtube.com/watch?v=bwPLvt6BFPg
Ostracizam os loucos. São arrumados a um canto, desprezados na haste da sua loucura, seres aberrantes que divergem dos cânones. Alguns, são internados em hospícios. E, contudo, gente mais perigosa, não tida como louca, continua a sua missão, impassivelmente, com o beneplácito dos preceitos em que se costuram as bainhas da (soi-disant) “normalidade”.
Dizem que os loucos não guardam a totalidade do pensamento consigo. Dizem que são ininteligíveis. Dizem que são perigosos porque desafiam a antítese da loucura, a consistência lógica que – dizem, também – é o mastro a que se agarram as pessoas obedientes à metodológica “normalidade”. E, todavia, vejo à volta tanta gente desapossada de lógica, gente que não é sujeita ao aquartelamento que isola os loucos, pois é tida como não louca por tantos quantos, assim também autoconsiderados, os isentam do vexame. Gente que treslê o que diz e o que faz e não admite a possibilidade de tresler. Gente na política, no desporto, na economia, na academia, na sociedade (para aqui chamada apenas a que tem a usura de visibilidade pública), na rua.
Não são os “loucos normais” que importunam – os loucos assim determinados e deixados à margem pelos demais. São os “normais loucos”, gente que disfarça a loucura, por vezes criminosa, apócrifos na passeata ufana pelas ruas públicas. A acrimónia com que desdenham dos “loucos normais” é pergaminho pouco recomendável. A pose de superioridade serve de mote à troça dos “loucos normais”. Os “normais loucos” escondem-se atrás de um falsário véu de sanidade, corrompendo o que tocam pela vileza de métodos, por transfigurarem os métodos em função dos fins (que tudo podem sacrificar, até a honradez própria, se preciso for), abusando da insolência de quem mostra o contrário do que diz e continua orgulhoso dos factos e das palavras, sem admitir o contrassenso. São mitómanos sem vergonha, transformando em verdades as mentiras a eito em que mergulham. Gente inescrupulosa. Falsários do vocabulário, ao serem tutores da sua adulteração. E o que é alguém que adultera o vocabulário, se não um louco contudo não tido como tal (por causa do viés dos cânones aplicáveis)?
Os “loucos normais” estão trinta degraus acima dos “normais loucos”. Primeiro, porque admitem a loucura e não se refugiam em ardis para a desmentir, nem caem em auto-negação. Depois, os “loucos normais” conseguem chegar à criatividade, ausente nos demais. Por dentro do seu pensamento vogam os corredores complexos de que medra um rico manancial de recriações do estabelecido, uma visão diferente, vedada aos olhos da “normalidade”, que tantas vezes consegue destruir os óbices que se colocam ao entendimento das coisas. Os “loucos normais” são genuínos. Não precisam de se esconder atrás de cortinas ou de palcos rombos para mostrarem uma coisa diferente da que são.
Tudo joga a favor dos loucos. Às vezes, diante da pobreza que é militante estalão dos transeuntes da sociedade, apetece deixar todos os destinos nas mãos dos loucos. Uma quase certeza aspira a sê-lo, na aposta dos resultados: pior, não seria.
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