6.6.18

Reincidência


Idles, “Well Done”, in https://www.youtube.com/watch?v=7Oxqf_15k0w
Era uma dúvida que o assaltava (nos tempos livres, quando o tempo se punha a jeito para pensamentos avulsos e sem importância): por que acabam os prisioneiros, assim que recuperam a liberdade, a delinquir e, ato contínuo, a regressar à cadeia?
Dizem que a reincidência é estultícia. Sobretudo quando a reincidência acontece em domínios que não garantem coisas boas ao reincidente. Depressa parecem esquecer-se do período sombrio que, em sua reiteração, volta a ser tingido pelas mesmas sombras. Poderá dar-se o caso de os reincidentes fazerem uma avaliação diferente e não terem consigo os parâmetros que permitem discernir o céu plúmbeo que se congemina na reincidência? Poderá acontecer que a reincidência transporte mercês escondidas que suplantam as dores inerentes? Poderão os reincidentes preferir continuar na corda bamba, com o risco sempre a sussurrar no pescoço, apostando na mesma prática sem que ela seja detetada por outros – caso em que a reincidência é apenas uma questão do foro interno, não caindo no vasilhame da punição? 
Poderão os reincidentes decair na escala da razão, não conseguindo avaliar as consequências dos seus atos? Esta é a hipótese que levanta mais embaraço. A reincidência implica o conhecimento da escala de custos que advém da prática de atos que não seguem os cânones do tolerável. Implica conhecimento, por haver cadastro anterior de tais atos e da sua punição. Se reincidir traz ao conhecimento os maus efeitos da ação que são avivados pela recuperação do passado, como é possível a alguém decair na escala da razão e reincidir, com a elevada probabilidade de ser capturado na curta malha dos punidores? Será oblívio?  Indiferença pelas dores associadas à  reincidência (possivelmente, quem assim se comporta não qualifica como dolorosa a privação da liberdade que antecedeu o foco da reincidência)?
A reincidência é um risco ténue que se desembainha do leque de possibilidades colocadas no horizonte do reincidente. Pode também dar-se o caso de o reincidente, que se move com falta de destreza na arte de delinquir, tenha ricos conhecimentos no meio. E que a tentação de reincidir se justifique pelo conhecimento que ele tem de outros como ele, com mais aptidões para a transgressão, que conseguem passar entre os pingos da chuva, como se não tivessem cometidos os atos que, no reincidente, dão origem à repetição da reclusão. Talvez esta seja esta, afinal, a hipótese que mais embaraço levanta.

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