12.9.09

Epitáfio

Os olhos cerrados
segredam o silêncio do teu sossego.
Por fim.
Nesses olhos cerrados
já não há vestígios dos padecimentos inglórios
nem os sobressaltos de um ocaso indigno.
Agora restas tu
e as memórias resguardadas bem no fundo,
de onde ninguém as pode embargar.
E nem que sopre um vento frio,
um vento que enregela até o sangue fervente,
nem que se escutem preces que desaguam num lamento,
nem que digam que a majestosa árvore que eras
foi arrancada pela raiz;
Nada,
nada disso
pode contra toda a ternura que irradiavas;
nada disso
há-de convencer que deixaste de ser a majestosa árvore.

Nos olhos cerrados
resguardas a tua placidez.
Por fim,
a merecida serenidade.
Foi nos olhos cerrados que te escondeste,
enfim,
das traições em que a existência te fez tropeçar.
Vezes de mais.
Há nos teus olhos cerrados uma lição inteira:
como se fosse um renascimento
ainda que sinta que arrancaram um pedaço de mim.
A árvore majestosa,
centrípeta e matricial,
que continuarás a ser
- pois as memórias são intemporais –
fermentou as raízes lá no fundo,
de onde força alguma as consegue remover.
Legando um manto tão fértil
de onde recolho o manancial da vida.

Não:
os teus olhos cerrados
não são um adeus.
São um livro aberto,
o oráculo tão nítido
do porvir que deixaste a sussurrar na serenidade
dos teus olhos cerrados.

3 comentários:

Cláudia Camelo disse...

Brilhante. Um forte abraço.

Unknown disse...

Meu Deus...tudo isto é tão verdade. Expressas-te incrivelmente. E organizas-te incrivelmente também. É mesmo isto. Há uma imensidão que perdura, para sempre.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Fico sem palavras. Toca fundo. De certeza que ficou contente e orgulhoso com o que escreveste. Abraço