11.9.09

A pandemia da gripe é amiga da igreja?


Andam por aí umas teorias da conspiração. Avisam os incautos (todos nós, à excepção dos visionários que destaparam o cobertor da teoria conspirativa) que esta gripe é uma maquinação dos interesses da indústria farmacêutica que tem medicamentos para a curar. E nós, que vamos sendo instruídos no maléfico poder que os capitalistas têm (ainda hoje aprendi com uma aluna, que escreveu numa tese de licenciatura que o grande capital se alimenta da pobreza), devemos desconfiar dos rebuçados que as empresas farmacêuticas apresentam como cura. Para uma doença que, garantem-nos, terá sido inventada só para que os medicamentos tivessem serventia.


(Isto faz-me lembrar outra deliciosa teoria conspirativa. Há quem assegure a pés juntos que os anti-vírus que instalamos nos computadores são da autoria de génios da informática que, por sua vez, são os inventores dos monstruosos vírus que se espalham pela rede, contaminando os computadores que estejam desprotegidos. A isto chamo o síndrome da pescadinha de rabo na boca: o inventor da cura é o mesmo que espalhou o mal. Só para a cura ser vendida a peso de ouro. Talvez seja ingénuo, mas não me convenço que a estupidez humana atinja tamanhas proporções. Nem no pior capitalismo suicidário.)


A gripe que anda por aí ameaça, agora que o Outono está para chegar. Um responsável do governo previu que mais de dez por cento da população vai ser infectada. A massa cinzenta arregimenta-se à volta de planos de contingência. A prevenção é, mais do que nunca, a prioridade. As pessoas devem ser informadas, alarmadas se preciso for, para comportamentos que reduzam as possibilidades de contágio. Mil e uma ideias têm proliferado. Por exemplo, a hierarquia eclesiástica aconselhou os frequentadores de missas a evitarem a saudação eucarística que envolvia contacto físico, torcendo um hábito sedimentado. Há reportagens nas televisões sobre hábitos de higiene que evitam o contágio da doença. Lá para os países nórdicos, desaconselha-se o cumprimento entre as pessoas sempre que trocarem um aperto de mão ou se oscularem no rosto.


A gripe, que já era má por ter conquistado o lugar de pandemia, ainda por cima exige a alteração dos hábitos sociais. Não que isso seja mau – estar parado no tempo é que é mau (menos para os conservadores). Se já muitos denunciam a frieza nas relações humanas com o distanciamento que se cultiva entre as pessoas, agora o fenómeno vai crescer de intensidade. É que se estamos habituados a saudar as pessoas com um aperto de mão ou com dois beijos (ou apenas um, na versão chique e social-democrata), a troca de afectos vai ser desaconselhada mercê da hedionda gripe. Quando a pandemia já só for uma nota de rodapé, se calhar não vamos readquirir os velhos hábitos. Já só cumprimentaremos os outros com um aceno de mão, ou com o vago uso de fórmulas verbais – o que hoje reservamos a quem não conhecemos de lado nenhum. No rescaldo da gripe, estaremos todos mais frios uns com os outros, menos humanos.


Desconfio que a igreja tem esfregado as mãos de contentamento. Se as pessoas ficarem assustadas com este alarmismo, vão rever outros hábitos tão censurados pela igreja católica. Por exemplo, o sexo com estranhos (as deploráveis – pela igreja – "relações esporádicas ou fortuitas"). Quem se arrisca à troca de fluidos com um desconhecido? Já havia a SIDA a pairar como cutelo na (regresso ao jargão católico) "promiscuidade". Os preservativos (por acaso freneticamente combatidos pela mesma entidade) resolviam os riscos de contágio dessa terrível doença. Com a gripe pandémica, o potencial de contágio por causa da dita "promiscuidade" intensifica-se. Sobretudo se os mortais entregues ao prazer carnal forem adeptos de certas "depravações" (e retomo a linguagem católica).


Se eu fosse um cultor de teorias da conspiração, diria que foram agentes infiltrados da igreja que desenvolveram em laboratório o vírus da gripe A e depois o espalharam metodicamente pelo mundo fora. Se os padres já se dispõem a alterar um hábito consagrado nas missas (o abraço, o cumprimento, ou o beijinho "na paz de Cristo"), dir-se-ia tratar-se de uma táctica só para amedrontar crentes e não crentes (sobretudo aqueles). E assegurar que a libertinagem sexual nunca foi tão desaconselhada. Saibam as hormonas responder ao repto da "razão", pois.


E assim a igreja esposou a gripe A, sua aliada da retrógrada moral sexual que insiste em difundir. Haja uma fervilhante criatividade a fermentar as teorias da conspiração, e tudo se torna possível e provável.

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