2.9.09

O hoje é um oráculo


As dimensões do tempo, um obscuro misticismo. Contêm um mistério, que por o ser se encerra numa perene coisa por revelar. E, todavia, as dimensões do tempo não têm todas a mesma espessura. As memórias com que fomos dotados, a mão estendida ao tempo passado, não trazem consigo os segredos que os mistérios escondem. O outrora é sempre uma imagem que emerge das águas profundas, um espelho nítido do que já passou na estrada que se faz longa. Às vezes, uma imagem desfocada. Por defesa do espírito, ou por reserva mental que refugia o espírito da aceitação de algum passado.


Onde não há nenhum espelho aberto é nas outras dimensões do tempo que tributam o desconhecimento: hoje e todos os amanhãs que se seguirão. Diria, uma escuridão absoluta. É o tempo que se faz na dobra dos ponteiros do relógio. E nós, passivos, como se fôssemos meros espectadores dos caprichos que o tempo reserva. Na sua complexidade, o tempo esmaga-se contra nós. Na efemeridade do presente, que se consome à imagem de um fósforo extinto na ausência do oxigénio seu nutriente. As dimensões confundem-se todas, pudessem elas manifestar-se em patamares que se fundem. O hoje espera pelo amanhã, mas depressa se transforma num ontem que se enquista nas memórias que vão ganhando a sua inutilidade.


Tudo o que interessa é ver o hoje como a porta que se entreabre para o amanhã. Devagar, ou sem notar a alucinante velocidade a que o presente se transforma no ontem, por consumição do amanhã que se revolve no seu contrário ontem. É o tempo que se vive, ou o tempo que consome as vidas que somos. A medo, às vezes, quando o que temos pela frente é uma enorme incógnita, um tremendo quarto escuro onde entramos sem candeia. Outras vezes com sofreguidão, como se a existência fosse uma constante embriaguez de viver que não dá conta da efemeridade do tempo.


Eu digo que devíamos sorver todas as gotículas do hoje. Devíamos ao menos aprender. Que todos os minutos que se gastam devolvem o tempo passado ao desmerecimento do provir que, esse sim, é o novelo tangível por onde nos havemos de debater. Devíamos sentir que o tempo que tocamos com os dedos é o oráculo do tempo vindouro. Olhamos em volta para aprendermos. Com o que somos, no percurso que fomos sendo. E com os que nos são um pouco de nós mesmos. Se houver lucidez para retirar do tempo presente as suas cores escondidas, conseguiremos espreitar por cima do ombro do porvir.


E diz-se: que o tempo presente é uma pedagogia dos amanhãs que um dia chegarão. Os amanhãs com alguma previsibilidade, como alguma probabilidade estatística pelo pulso mensurável dos dias correntes, os amanhãs que amanhecem com o nexo do presente. Decerto teremos que recolher os inesperados amanhãs, aqueles que rompem a aurora esbarrando-se contra a parede das coisas imprevisíveis. Quando se diz que o hoje é um oráculo do amanhã, um aluvião de interrogações espreita na dobra dos minutos: e interessa capturar a previsibilidade dos dias vindouros? Não estamos a forjar os amanhãs que ainda estão por amanhecer? Não estamos a condenar o amanhã a ser um ontem por antecipação?


É como se a noite e o dia se fundissem num todo indistinto. Sim, o hoje tem o condão de ser um oráculo, um fragmentado oráculo. O que torna o provir uma maçada. Quando tomamos o pulso ao oráculo do presente e as imagens que desfilam na tela vêm tingidas pela maceração plúmbea. Destapar o oráculo é tornar o futuro no passado ainda antes do tempo. Ou o passado que se prolonga até chegar a ser um amanhã que ainda está por vir.


O melhor é desviar o olhar desse oráculo, torná-lo numa inexistência. O tempo, em todas as suas dimensões, não pode semear tanta angústia. Não pode ser o ditador que nos asfixia a vontade.

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