7.9.09

Bloco de notas


Afinal de contas, sem razão o cepticismo militante. É só abrir os olhos e ver em redor uma terra debruada a ouro e as carradas de honestidade que transpiram de certos protagonistas. Como são penhores de credibilidade. Meto a viola no saco e começo a exibir um cintilante optimismo. Dá gosto, esta terra. Louvados sejam os protagonistas que ornamentam com a sua existência os dias que nascem sempre com uma miríade de cores, refrescantes, perfumados com as miosótis e as buganvílias que brotam dos seus luminosos dedos.


Passam imagens de uma reunião partidária – do partido que se confunde com o Estado. Fico comovido com o ar extasiado dos militantes e simpatizantes que olham, tão embevecidos, para o grande líder enquanto o grande líder perora verdades. Vê-se, no querido líder, as qualidades de um estadista à prova de desconfiança. Nota-se a firmeza das palavras, a convicção da doutrina que alguém emprestou ao seu discurso. As palavras-chave que arrebatam a adesão de multidões: modernidade, igualdade, justiça social.


A mesma reunião partidária: o discurso do crânio de serviço, o homem que, ao que dizem, tem uma estaleca intelectual inversamente proporcional ao tamanho do corpo. Uma oratória – como direi? – auto-encomiástica. Folgamos em saber que há por aquelas bandas uma bebedeira de auto-estima. O homem debitava, assertivo, os feitos que se devem creditar ao governo do momento. Continuei a escutar com atenção e delícia as palavras do Dr. Vitorino. Num ápice descobri que nos andam a enganar, esses economistas mafiosos, com a historieta da crise sem precedentes. Números e estatísticas provam que, ó surpresa, estamos bem. Ou atravessámos a crise na leveza do ar, enquanto a crise consumia as carcaças dos outros países todos – de todos aqueles países que não tiveram em sorte uma gesta de governantes tão ínclita como esta que é vangloriada por um dos ideólogos da seita. (Que tenha havido distorção das estatísticas? Irrelevante. O povo move-se pelas mensagens de confiança, não pela crueza das estatísticas. É como dizem: uma mentira contada à exaustão depressa se converte em verdade. A que é conveniente, mas só isso, conveniente.)


Prossigo na mesma área política. O patriarca, que já foi duas vezes presidente da república e quis sê-lo outra vez, sentenciou: não vê cenário mais dantesco que uma vitória eleitoral da "direita" (mas o que é a "direita"?). No dia seguinte foi a vez do autarca de Lisboa dar para o peditório do terrorismo intelectual: não votar no PS é votar na direita. Eu gosto de ler estas sábias palavras, impregnadas de tolerância. Gosto. É um postal ilustrado das credenciais democráticas desta gente. Eu propunha que se determinasse a vitória antecipada do PS (e por goleada), ou se acabasse com as eleições, pois nas eleições sempre há gente que, incompreensivelmente, prefere votar noutros partidos (ó gente ingrata, ou ignara).


O oásis que somos, mercê dos prestimosos serviços e inigualável destreza dos socialistas, é fértil. Há dias o ministro dos negócios estrangeiros (o homem que nunca tem posição sobre nada) foi a Tripoli prestar vassalagem ao ditador líbio, que festejava quarenta anos de exemplar governação. Não sei onde li, mas faz sentido rebaptizar o ministério dos negócios estrangeiros: aquilo é um ministério de negócios no estrangeiro. Feitos por gente especializada em dobrar a espinha.


Num semanário de referência, uma fotografia deliciosa: Pinho, o ex-ministro que se enterrou por causa de uns chifres extemporâneos, foi com a consorte a um concerto de Tony Carreira. Para uma das figuras emergentes do jet set indígena, há algo de sintomático no evento diligentemente fotografado pelos paparazzi de revistas cor-de-rosa que agora não largam a bainha do desastrado ex-ministro. Só não sabia que o jet set indígena faz fila nos bastidores para chegar à conversa com um ícone da música pimba. Também gostei de saber: que o jet set ouve insistentemente música pimba. Um jet set pimba, pois – sopa no mel. (Ou, se calhar, Pinho não é tão jet set como delirantemente se imagina).


É belo estar neste lugar. Com estes protagonistas, tão zelosos do seu amadorismo. É belo: uma terapêutica para o riso.

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