30.1.12

Bunker (ou: isto ainda vai acabar mal)


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Lindo, o serviço. Oxalá se deixasse estar vagaroso na harmonia da demorada hibernação. Ao menos não fazia estragos. Por todo o lado, os estragos. De resto, aprendera as lições por dentro da poeira antiga do bunker. Era uma muralha que tecera, com paciência. Julgava que nada podia mestiçar o pressentimento dos pretéritos ateados por equívocos. Manda a sensatez que os enganos têm a serventia de os evitar quando o porvir enfim aterra na sua hora.
Mas o corpo debatia-se com os seus instintos. Debatia-se com as algemas intelectuais, elas apontando para um lugar nos antípodas dos desejos cobiçados. Um dilema sacrificial – pensava, assoberbado pela quintessência dos instintos que emprestavam demónios irrefreáveis ao pensamento, tentando contaminá-lo. Tudo apascentava hesitações. Os dias adiavam-se, enredavam-se uns nos outros, tal como a resolução (qualquer uma que fosse) que esperava.
Um clarão assomou a um canto do pensamento. Podia ostracizar os dilemas se ocultasse as armadilhas que trazia a tiracolo sempre que espreitava no tempo pretérito. Como se a contagem começasse no dia presente. De um folha em branco, sem os vincos do papel amarelecido e amarrotado. Só precisava de um clã que murmurasse ao ouvido que as patilhas do tempo arpoavam seus ferrões no dia zero, no dia que dizia as palavras que importavam a partir dali, daquele tempo que se ensaiava novato. Nem sequer caução para os arrependimentos. Nem dos que viessem arpoados ao tempo futuro, quanto mais aos que sobravam do conhecimento dos tempos já idos.
O bunker era o seu cárcere. O desbravamento dos nós que atavam a ossatura proclamou a brevidade do tempo que tivera combustão. O tempo exaurido em cinzas incógnitas. O bunker já não era refúgio inacessível contra as catilinárias herdadas do exterior. Demorara tempo a intuir: o bunker de onde se tornava altivamente distante era o receptáculo do seu marasmo. Para agravar o diagnóstico, desconfiava que o desenfado do bunker podia acabar mal.
Os olhos ecoavam um clamor como nunca fora dado a sentir. Podia acabar mal. Mas se não ousasse, jamais saberia a contradita. 

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