2.1.12

Nem as sombras podiam nada


In http://video.suplugins.com/images/no-shadow.jpg
Dos vetustos armários, poeira inútil, teias de aranha mortiças. Arranjava pretextos para ocultar a luz que irradiava lá fora e pedia licença para entrar na casa. Mas as janelas teimosamente fechadas eram tiranas, algozes que condenavam a casa a uma escuridão maligna. Foi assim por anos a fio. Lá dentro, apenas a chama acanhada de umas velas acesas decantava a escuridão. E as sombras que se confundiam com fantasmas que locupletavam o sono.
Um dia, foi como se um fusível entrasse em curto-circuito. A medo, enquanto o pensamento rasgava as trincheiras em que se julgava enquistada, desviava os óculos que protegiam os olhos do sol abrasador. Desde que abandonara o internamento no manicómio era a primeira vez que desafiava o sol. A medo, de começo. Tirou os óculos enquanto mantinha os olhos fechados, como se o cimento colasse as pálpebras. Arfava nervosamente. Ainda tinha os olhos fechados e já uma claridade invadia o espectro da visão interior. Uma colherada enorme de ar sorvido trouxe a dose final de coragem. A medo (que os fantasmas exorcizados podiam aparecer quando menos contasse), destapou as pálpebras. Os olhos ficaram nus, sozinhos diante do sol. Não confirmou os piores temores. As sombras temidas não ensoberbeciam em redor.
Os dias corriam sem sobressaltos. Como eram distantes os dias de internamento no manicómio. Como eram vagas as evocações desse tempo terrível. Estes anos depois admitia que foram terríveis meses necessários. A serventia estava à mostra. Já não sobrevoavam as sombras constantes de outrora. Os fantasmas que se encavalitavam nos ombros arqueados estavam em hibernação. Sabia-os existentes, mas em hibernação. Sabia que podiam acordar sem aviso. Não importava. O êxtase das sensações que dantes se impusera como proibições a si mesma tratava de exorcizar os fantasmas.
As sombras, essas, apenas uma fina camada, quase impercetível, só para manter presente a existência de um passado. Descobrira a semente das águas calmas que haveriam de resistir pelo tempo fora. E isso era o que mais importava.

Sem comentários: