20.1.12

Cais dos segredos


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Querias saber dos retalhos onde se resguardam os vestígios dos segredos. Querias contos ao deitar, contos ao levantar, contos pelo dia fora. Querias os olhos vertidos na soberba da franquia do sangue que escorre nas veias. E querias: que as paredes onde as mãos se acolhem não fossem a ilusão ditada pelo olhar. Os olhos percebiam a existência dessas paredes. As mãos, por mais que as tateassem, não sentiam nada. As angústias desaguavam no cais dos segredos.
Era onde a espessura das coisas se escondia nas múltiplas sombras de onde elas dimanavam. As pedras cobertas de musgo, do musgo encardido pela maresia em estado líquido, sobravam como reinos onde habitam os segredos inconfessáveis. Era pelas reentrâncias das pedras, nas fendas colonizadas pelo musgo hirsuto, que os segredos antolhavam seu refúgio. Escondiam-se dos olhares indiscretos, do brado que queria espiolhar pela fechadura à cata de segredos detestáveis. Dos mesmo segredos que, embora detestáveis, eram o sangue vertido onde se empanturram os pesarosos de si mesmos.
O segredo dos segredos estava numa chave. Dourada, como convém às coisas que ambicionam estatuto precioso. Era um paradoxo. Como podia uma chave dourada pretender a ausência das atenções? Como podia, sobretudo em dias soalheiros, com o sol a esbanjar-se nos objetos metálicos, a chave dourada ser anónimo objeto? Alguém que encontrasse a chave ficaria na posse das alcavalas escondidas nas intimidades. Não tivesse escrúpulos, esse mercenário desnudava todas as existências que viessem pela frente. Sem obséquios.
Um dia, depois de tempestades sucessivas, com ondas a crescerem desde as profundezas do oceano até se esmagarem com fragor nas pedras do cais, elas perderam o seu cimento. O musgo protetor dissolveu-se, frágil perante a indomável força das marés. As pedras abriram fendas. O cais dos segredos perdeu o nome. E os segredos, para vergonha de quem os abrigava dos olhares famintos, deixarem de o ser. 

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