In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgV76UgLW2XiBCJaIBJIeIzCpk3P0M_-7g166v4gcHgxfTkvXzTG8xD_Lt_8wJlYq_jIqvBOH2JOPAk92eBnOXowAWCyQqXa7iPeKWECi71TpHKH_pR_5QpK69LSlFK_W9VrZm2/s1600/.08.jpg
Um
arame a rasgar a planície. A perfeição do quadro espremida pelos pulsos
agitados atesta o sopor da planície. Simulam-se os olhares, emprestando verniz
às conveniências. Afinal, a planície escondia uma cova funda, uma cova tapada
pelas primaveris urzes que enfeitavam a demora.
O
quadro pendurado na parede. Em paciente observação, os olhos notam que o quadro
esconde diversas camadas. Hesitam, os olhos. É como se detrás de uma espessura
se escondessem as matizes que importam. A certa altura, às mãos apetece rasgar a
inércia do quadro, espreitar os seus contrafortes, sondar se na sua escuridão
não se resguardam os sentidos demandados pelo espírito em desassossego. O rosto
cola-se à fria parede amarelada. Investiga os poros do reverso do quadro, como
se ali estivessem os antípodas da planície retratada em cores outonais.
Porventura à espera de encontrar as porosidades das montanhas que se amontoam
umas nas outras, e entre elas, os desfiladeiros temerários que se precipitam no
vazio à procura do regato que sussurra.
E à medida
que o rosto se esmagava, sentia o ouvido preso à parede. Sentia-se um inseto
prestes a ser devorado por uma planta carnívora, tamanha a força centrípeta
exercida pela parede. E quanto mais força fazia para o exterior, mais o rosto
se colava à parede, o ouvido literalmente fundido na parede. Começou a escutar
um amontoado de vozes indiferenciadas. Um rumor imenso, vozes masculinas, vozes
femininas, vozes envelhecidas e trémulas, vozes infantis entoando a inocência
da idade, vozes alteradas ou vozes profícuas. Era impossível detetar uma
palavra entre o clamor que tomava de assalto o ouvido. As vozes ora cresciam de
intensidade, ora soavam como murmúrio.
Os
olhos já nem conseguiam distinguir a claridade, o quadro entretanto tombado
sobre o rosto. Só sobrava a coreografia de sons. E, enfim, entre o caos de
impercetíveis palavras, sobraram algumas que se compuseram em estrofe: “as paredes têm ouvidos”.
1 comentário:
Um dos problemas deste país, é ouvir-se o que não se deve (porcarias) , e não se ouvir o que se deve.
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