4.1.12

Ah, Pacheco (toleima)


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Tropecei em ti, Pacheco, naquela livraria. Devias andar a desempoeirar os ombros, que me pareceu estar neles depositada uma fina película de pó, talvez as sobras acumuladas numa pilha de livros da tua biblioteca. E, apesar de andar mal da pituitária, senti um odor a bafio das duas vezes que meteste o corpanzil no meu caminho (já adelgaçado, porém, desde a última vez que te pus os olhos em cima).
A certa altura pareceu-me que ias acompanhado. Ao teu lado estacionara uma mulher alta, airosa, curvilínea. Transpirava voluptuosidade. Foram uns minutos, não contei quantos, mas uns minutos. Vi-te a espreitar pelo canto do olho. Faltava-te a capacidade dos galináceos que conseguem revirar os olhos e alargar o campo de visão. É que dava mesmo jeito, tamanho o monumento de luxúria que se deleitava com um grosso calhamaço nas mãos, talvez sem perceber que eras tu a sua companhia. Eu entendo que deves ter alimentado a esperança de que a mulheraça se demorou ao teu lado porque te conheceu. E se há figura pública com largo reconhecimento, esse alguém és tu. Mas desengana-te, Pacheco. Ela envergava olhos com fundo de garrafa. Dirias: é sinal identitário de uma intelectual (como tu). Não podia ser tamanha coisa. Conheces alguma que sintetize os dois atributos na mesma pessoa?
Suponho que encheste a vista. Suponho, até, que enfardaste o bucho das fantasias. De repente, ainda estava a monumental mulheraça inerte ao teu limiar, pareceu-me que esboçaste umas intimidadas palavras na sua direção. Estarias a largar o grão à asa em plena livraria? Fiquei na dúvida, esclarece-me: foi apenas um tossicar lúgubre, ou dirigiste umas palavras remotas, que eu adorava ter escutado só para decifrar a tua proficiência de galanteador. Mas, ó Pacheco, que heresia em que te atamancaste: galantear numa livraria é pecado mortal.
Saímos da livraria ao mesmo tempo, Pacheco. Não por acaso, viraste à esquerda e fui pela direita.

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