In http://www.seleccoes.pt/files/pt-por/attachments/pictures/IG00013.jpg
Um território hostil para as gerações de antanho, os varonis personagens
com uma relação utilitária com a gastronomia: só eram bons garfos. Dos
bastidores sabiam nada. Era lugar proibido, não se hipotecassem as credenciais
másculas pela intromissão nas tarefas que a intemporalidade da história reservara
às mulheres.
Um conservador acorrenta-se aos usos, não interroga os costumes que
incorpora como adquiridos. Se não fosse a ousadia de uns que começaram a frequentar
os vapores das cozinhas, hoje a culinária era feminina. Só que às vezes são os
homens que rompem com o marasmo onde se deita a improfícua desigualdade de
géneros. Não foi um greve feminina que atirou os homens para a cozinha, para os
ingredientes e os utensílios que não sabiam domar, os livros que ensinam as
receitas, a ousadia da invenção de iguarias. Eles meteram os pés ao caminho e
só pararam na cozinha.
O proto escritor entrevistado num jornal, aquele que também é comentador
de atualidade numa televisão, descobriu que a cozinha é o seu território de
emancipação. É um bocado diferente – diz quem já leva mais de metade da
existência pelas artes da gastronomia amadora. É um sortilégio. Entrar na
cozinha para despachar uma necessidade básica (a alimentação) não é sortilégio
todos os dias. A escassez de tempo que infeta o quotidiano e a falta de
paciência para retirar uns minutos à lufa-lufa diária para congeminar a ementa
podem embeber a magia culinária com os ingredientes da apatia. E a apatia está
nos antípodas de qualquer sortilégio.
É nos repastos especiais que há um ritual de consagração. Dos
ingredientes que se combinam numa combustão certa. Dos efeitos que a química da
gastronomia ensaia, com a curiosidade repleta aguardando pelo produto final. Ou
das invenções que crescem do nada por dentro do pensamento, montando-se em
sucessivas levas de aromas que se julgam uma combinação certeira.
A única lamentação é alguma perda dos sentidos,
olfativos e do palato (degenerescência congénita ou praga das alergias, fazem
notar os médicos). Nem assim se dissolve a alquimia da gastronomia. A avaliação
pertence aos convidados.
Sem comentários:
Enviar um comentário