19.1.12

Tornado


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Implacável. Como os ventos indomáveis que sopram das alturas e retorcem as entranhas da terra. O contrário de um barbitúrico, fazes-te alter ego das mais medonhas tempestades. Anuncias-te quando colonizas o céu, desapossando-lhe o azul que incendeia a claridade. Trazes contigo as nuvens espessas que, de mão dada com o vento, hão de semear o caos. Nota-se um esgar lépido quando os meteorologistas te antecipam a vontade com “alertas vermelhos” que são o breviário da confusão. Transbordas ventos ciclónicos com o espaçamento da chuva, tornando inúteis os guarda-chuvas, as paliçadas que os precavidos montaram nas portas, nas janelas das casas e dos comércios.
Não te apoquentas com as gentes apavoradas com se preparam para a tua chegada. Por mais que se habituem às tuas sazonais manifestações iracundas, sobressaltam-se quando o filtro do radar pressagia a tua ancoragem. Cresces desde o oceano. O teu nutriente são as suas tépidas águas, de onde se avivam nuvens ao início alvas, entretanto escurecidas com o volume de mar haurido. Abeiras-te de terra firme, onde já ninguém te espera sem contar. É o teu íman, a terra firme: cresces, medonho, quando farejas o odor da terra, dos edifícios, dos campos cultivados, da gente que se consome em suor destilado sob a batuta da humidade tropical.
Quando pões um pé em terra firme, parece que te vingas pelo desligamento marítimo. Selas a vingança pelo vómito da água do mar que foste bebendo na tua encolerizada trajetória. Para redobrar a malícia, sopras o vento furioso que aplaca os demónios interiores em que te debates. Tanta, e irada, é a ventania que ninguém se atreve a vir à rua. Há telhados em desgovernadas coreografias aterrando no meio do jardim onde jazem ramos, folhas, árvores depostas. Casas que perderam privacidade, esventradas pelas manápulas indecentes da tua passagem.
E tu, do alto da tua sobranceria, ris desalmadamente como se não houvesse amanhã. Mandas os elementos adormecer a sua fúria. O mal já estava feito. Quando o sol se recompôs, tu ainda estavas (mas escondido) a apreciar as gentes de mãos à cabeça na ladainha da reconstrução. Um pouco sórdido, talvez.

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