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Estava rendido ao poder da ficção. Naquele
dia o jornal diário só tinha notícias ficcionadas, um avantajado faz-de-conta
que tirava as insónias de seu posto. Era como se um deus folião, vestido em sua
bondade, tivesse furtado o chão às notícias habituais, as notícias que fazem má
cara e nos põem de má cara. Era a vez do caldeirão da ficção.
A certa altura, um torpor tomou conta
dos sentidos. Já não sabia onde terminava a ficção e principiava a modernidade
que era consumição. A ficção transformara-se em modernidade palpável. Depois do
embaciamento dos sentidos, perguntou se o contrário não estaria em plena
narrativa, se a modernidade deixara de ser palpável ao ter sido colonizada pela
ficção. Por via das dúvidas, escolheu o vicejante campo da fantasia. Pior não
seria, tão nauseabundo o odor do contemporâneo. (Só não sabia se imputava a
culpa aos jornalistas que perseguem notícias que destilam sangue, ou se a
arrastava para cima dos agentes responsáveis, os mandadores disto e arredores.)
Os olhos saíam pela janela e
apoderavam-se de uma energia infinita vinda de Cassiopeia. Começavam a adejar
sobre a cidade, depois o rio, fazendo digressão pelo mar para se alimentarem da
maresia esbracejada pela brisa sensível. Voltavam os olhos a esquadrinhar terra
firme, os campos e as povoações seguindo-se uns aos outros. Os olhos vinham
acompanhados por um druida que abençoava com uma quimera de bondade os sítios
alvejados pelos olhos. Passaram sobre um quartel. Os olhos instruíram o druida
para dissolver o quartel, os militares despojados do fardamento e enviados para
o meio dos civis para serem como eles (civis). Os olhos eram juiz perene, andando
todas as terras por onde houvesse despistes à bondade lacrada pela vontade
indómita. Retiravam o trono aos mandadores que usassem o poder para fazer
malfeitorias aos governados. Os palradores prolixos eram enviados para férias
compulsivas. Bardos, ou os que a esta condição se arvorassem, metidos em balsas
e desembarcados em ilhas desertas, na companhia de músicos da estética
duvidosa. Os grotescos que maltratassem animais teriam degredo como destino.
Gente de trato rude perderia o atributo, de repente transformada em gente
empenhada na simpatia.
A meio do dia, uma (generosa)
inquietação abrolhou-se: foi preciso cair no desemprego para ter luminescentes
pensamentos. Para que as alvoradas despontassem resplandecentes, mesmo quando
um manto de nuvens carregadas açambarcavam o que podia ser jornada soalheira.
Agora que tinha motivos para se encostar às esquinas com o rosto carrancudo,
conseguia ver uma centelha, por mais fina que fosse, a espreitar de um umbral
qualquer.
Um fantasma teimava em ensombrar o
palco desta fantasia: aqueles olhos emparelhados ao druida eram juiz sem
investidura legítima. Tamanha moralidade chegava para soar o alarme da
desconfiança.
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