15.3.13

Atira o céu para longe


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Livre, o tempo pode ser uma alcateia esfomeada a bulir com o bonança apetecida. E se havia tempo livre era agora, ainda estava anestesiado com o tempo da involuntária vadiagem. Em vez de ser madraço, este tempo tépido fermentava fantasmas que se acastelavam no firmamento. Arrependia-se depressa mal o pensamento escorregava para o cais viscoso onde o odor era fétido.

Olhava em redor e assustava-se com a morte em todos os sítios. Lia jornais e não precisava de chegar ao obituário. Passeava nas ruas e via cadáveres de animais atropelados. Lembrava-se do outono e não se desprendia de um simbólico significado (que, todavia, sempre recusara) – o outono como senescência das árvores, as folhas caídas como atrizes da morte disfarçada. Esbarrava em talhos e os olhos impressionavam-se com o cortejo de carcaças desfeitas. E havia ainda os cemitérios, a história da humanidade como cortejo interminável de mortos pela soez ceifa da inocência. Invejava os que se inclinavam diante de deuses que prometem existência depois da morte. Não conseguia derrotar o ateísmo (estava fora de questão fazer de conta que acreditava só para apaziguar as sobressaltadas águas interiores).

Os olhos tendiam os feixes luminosos, que os havia sempre de uma partida qualquer. Podiam ser frágeis flores pendidas à janela, o ocaso luminoso que se estendia no céu colonizado por cores mágicas, as palavras doces (ou amargas, mas ainda assim belas) de um poema, as mãos entrelaçadas dos amantes, os acordes de uma música no silêncio da noite, a inocência de crianças apalavradas com a lúdica algazarra, as conversas ungidas pela tolerância, os lugares distantes do mundo que houvesse por conhecer, as histórias bebidas em forma de letra. E acordar, abençoando a madrugada. Sem dar tempo à madrugada para nos abençoar, para não ser imperativo ajoelhar diante da nossa pequenez.

De tanto ser livre o tempo, combatia as pedras pontiagudas que o acosso do desânimo encarecia. Um dia de cada vez, para desafio vivencial. E quando o céu quisesse achegar-se, em pose de domador da vontade, que todas as forças não fossem poucas para o atirar para as lonjuras. 

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