7.3.13

A violência que cega


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Imagens que percorrem os túneis mentais a uma velocidade vertiginosa. As imagens que se atropelam, mostrando a violência encenada, pois de atropelos se trata quando falamos de violência. Não conseguia deixar de pensar nos episódios de violência que o transtornavam. Pensava na violência como algo de exterior – a violência sobre os outros, física ou não, visível ou retirada das entrelinhas, atual ou histórica. E de como a violência é tão subjetiva. Alguns dos instantes de violência retratados para a posteridade eram irrelevantes para os outros. Como alguma da violência que os incomodasse seria uma nulidade na sua maneira de ver.
Lembrava-se da violência que o cegava, tão veemente e grotesca. Tanto podia ser uma criança esfaimada à beira de ser atacada por um abutre (uma fotografia que fez furor), como animais abatidos no matadouro, ou o cadáver de um cão jazendo na estrada, ou os olhos marejados de um pedinte ao saber da recusa de uma esmola, ou as patifarias que homens covardes praticam sobre as consortes indefesas. Ou a vozearia dos poderosos, a coberto da autoridade, transformando-se em poder gratuito, os súbditos respeitosamente afocinhando a sua indefesa condição. Era tudo violência. Violência que era violenta. Uma violência que punha a nu as fragilidades das vítimas. E ele condoía-se de cada vez que esbarrava numa vítima da violência assim tão cega. Tecia planos mentais: apetecia-lhe uma brigada que fizesse justiça pelas próprias mãos. Um contrassenso, logo ele que não acreditava na lucidez do povo e se enfurecia quando alguém elaborava sobre “justiça popular”.
Há violência sem autor (os pobres em mendicidade; a violência espontânea, sem rosto visível, praticada pela sociedade adormecida). Ele interrogava-se se a essa violência não pode responder uma contra violência. Seria legítima? E legitimada por quem? Partiu em demanda de uma literatura que justifica a violência contra a violência do sistema. Não simpatizava com a ideia – soava a desorganização excessiva, e ele prezava alguma ordem, pois desconfiava que no meio da desordem quem soerguia o pescoço eram os mais fortes e de ausente escrúpulo. Mergulhou nessa literatura. Só para saber o que poderia esperar caso os profetas da desgraça, os que alinhavam a fervura da revolta social, estejam com o oráculo afinado.
Foi lendo. Anotando. Comparando leituras. Foi buscar exemplos à história para se documentar de acontecimentos em que um frémito violento se ergueu contra a “violência do sistema”. E foi percebendo, antes de findar as leituras, que uma contra violência não deixa de ser uma violência. Com os mesmos predicados irracionais. Fazendo vítimas, e algumas inocentes, pelo caminho. Continuou sem perceber a lógica intestina da violência. Fosse qual fosse a violência, que para o caso não vem a propósito saber se há violência boa e violência malévola. Continuou sem perceber o pensamento dos violentos. Porque queria, num acesso de otimismo sobre a espécie, recusar a maldade intrínseca. As leituras por que deambulou impediram o propósito. 

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