21.3.13

Onde aterram as misérias


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Era parte das dores de parto da situação que o atravessava: visitas periódicas ao centro de emprego. Tinha de provar que o mercado de trabalho ainda não queria nada com ele. A bem dizer, não tinha razões de queixa do olvido do mercado de trabalho. Era um caso singular.
Ao seu lado também esperava pela vez uma mulher, talvez a bater à porta da quarta década de vida (se o rosto macerado pelo sofrimento não enganasse). Ela resmungava para quem a queria ouvir (e para quem não quisesse também, a menos que, incomodados, fossem fazer espera pela vez do atendimento para longe daquela vociferação). A mulher protestava contra a inércia em que fora posta contra a sua vontade. As lamentações eram umas atrás das outras. Que os patrões foram criminosos porque não souberam gerir a empresa (confirmando que, nestes tempos turbulentos, todos sabemos de gestão de empresas). Que, depois da falência, não houve património para pagar as indemnizações a que tinham direito os que foram despejados no desemprego. Que o marido tinha encontrado semelhante desdita no mês seguinte, ficando a família dependente da comiseração do subsídio de desemprego. Que a filha mais velha tinha de cercear os planos – a entrada na universidade que a esperava no ano seguinte, entre parêntesis. Que nem os biscates sussurravam à porta de casa, como dantes acontecia quando o marido metia no orçamento familiar um pecúlio farto. Que o frigorífico e a despensa já não forneciam abundância. Que até o casamento se ressentia, a crise como se fosse a báscula que embotava um amor que – desnudava sem noção da devassa a que se expunha – talvez apenas fosse um arremedo. E que o governo era criminoso, a juntar aos patrões que também o foram. E a maldita troika também.
Antes que começasse o comício inflamado, e antes que começasse a ter pesares pela desocupação que tutelara uma vida enfim verdadeira, dirigiu-se ao bar do centro de emprego. Pelo caminho tropeçou noutras misérias. Rostos sombrios e encavacados, olhares que transpiravam melancolia medonha, uma mãe segurando um bebé ao colo sem saber se podia prometer um futuro à criança. No bar, esperava por atendimento enquanto um velho curvado perguntava se podia ficar a dever cinco cêntimos pelo galão e o pão com manteiga que seria seu tardio pequeno-almoço. E um velho tão velho tinha idade para frequentar um centro de emprego?
Foi-se embora. O dia era mau para continuar no centro de emprego. Talvez o dia seguinte estivesse menos carregado. Esse era seu desejo. Para não se intimidar com as desgraças em cortejo interminável naquele tempo que foi de visita inaugural ao centro de emprego. Não queria que as misérias fossem armadilhas madraças da sua bonançosa desocupação. Foi a primeira vez que temeu pela sanidade mental depois de ter caído no desemprego.

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