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Era
parte das dores de parto da situação que o atravessava: visitas periódicas ao
centro de emprego. Tinha de provar que o mercado de trabalho ainda não queria
nada com ele. A bem dizer, não tinha razões de queixa do olvido do mercado de
trabalho. Era um caso singular.
Ao
seu lado também esperava pela vez uma mulher, talvez a bater à porta da quarta
década de vida (se o rosto macerado pelo sofrimento não enganasse). Ela resmungava
para quem a queria ouvir (e para quem não quisesse também, a menos que,
incomodados, fossem fazer espera pela vez do atendimento para longe daquela
vociferação). A mulher protestava contra a inércia em que fora posta contra a
sua vontade. As lamentações eram umas atrás das outras. Que os patrões foram
criminosos porque não souberam gerir a empresa (confirmando que, nestes tempos
turbulentos, todos sabemos de gestão de empresas). Que, depois da falência, não
houve património para pagar as indemnizações a que tinham direito os que foram
despejados no desemprego. Que o marido tinha encontrado semelhante desdita no mês
seguinte, ficando a família dependente da comiseração do subsídio de
desemprego. Que a filha mais velha tinha de cercear os planos – a entrada na
universidade que a esperava no ano seguinte, entre parêntesis. Que nem os
biscates sussurravam à porta de casa, como dantes acontecia quando o marido
metia no orçamento familiar um pecúlio farto. Que o frigorífico e a despensa já
não forneciam abundância. Que até o casamento se ressentia, a crise como se
fosse a báscula que embotava um amor que – desnudava sem noção da devassa a que
se expunha – talvez apenas fosse um arremedo. E que o governo era criminoso, a
juntar aos patrões que também o foram. E a maldita troika também.
Antes
que começasse o comício inflamado, e antes que começasse a ter pesares pela
desocupação que tutelara uma vida enfim verdadeira, dirigiu-se ao bar do centro
de emprego. Pelo caminho tropeçou noutras misérias. Rostos sombrios e
encavacados, olhares que transpiravam melancolia medonha, uma mãe segurando um
bebé ao colo sem saber se podia prometer um futuro à criança. No bar, esperava
por atendimento enquanto um velho curvado perguntava se podia ficar a dever cinco
cêntimos pelo galão e o pão com manteiga que seria seu tardio pequeno-almoço. E
um velho tão velho tinha idade para frequentar um centro de emprego?
Foi-se
embora. O dia era mau para continuar no centro de emprego. Talvez o dia
seguinte estivesse menos carregado. Esse era seu desejo. Para não se intimidar
com as desgraças em cortejo interminável naquele tempo que foi de visita
inaugural ao centro de emprego. Não queria que as misérias fossem armadilhas
madraças da sua bonançosa desocupação. Foi a primeira vez que temeu pela
sanidade mental depois de ter caído no desemprego.
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