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Não
estava conversador. À roda da mesa, os convivas engendravam a conversa, as
ideias fluindo sem ordem que não fosse a do vinho vertido. Estava apenas
ouvinte. E pensador nas palavras tartamudeadas pelos outros. Numa esquina da conversa,
alguém falou de um grupo islandês que dera a conhecer umas músicas do disco ainda
não publicado. Um deles sentenciou: “é
Joy Division puro e duro!” Outro não discordou, não dera toda a atenção às
músicas que ostentavam aquela comparação. Mas opinou: “cá para mim, os Interpol são
os legítimos sucessores dos Joy Division.” Um terceiro amigo que estava na
amesendação travou-se de razões: “e não
serão os National a merecer a comenda?”
Ele ouvia, enquanto se desligava da traficância
de argumentos. E enquanto se desligava da discussão afinada sob a batuta do
álcool (e, talvez por isso, os argumentos e contra-argumentos perdessem sentido
à medida que neles se entranhava a exaltação), dava consigo mortificado pelos
elos adoentados dos dias recentes – a penosa experiência da caridade, o cair em
si na gravidade do involuntário ócio que podia ser uma persistência, o paradoxo
da emigração. Desligava-se das derivações da conversa quando ela o chamava
através de um dos seus intérpretes: “alguém
te soa a Joy Division?”
Encolhia os ombros, tal o desinteresse no assunto,
sem que o desinteresse viesse cativar o pasmo dos demais pois depressa se
entregavam a nova revoada de ideias buriladas para o convencimento dos
oponentes. Enquanto mantinha o silêncio prudente, não fugia da resposta que
tinham pedido. Remoía as ideias que não chegavam a ter expressão em palavras
ditas. Ficaram, as ideias, guardadas no pensamento. O que teria de dizer podia
destruir o alvoroço que ungia a mesa no restolho da refeição. Descobrira um método
que já não era recente: impedia a audição de tudo o que fosse prometido como
herdeiro dos Joy Division. Incomodava-lhe a ideia de que os Joy Division deixaram
um legado por terminar. E que três décadas depois (como já tantas vezes
acontecera pelas outras décadas fora), novos Joy Division com outros nomes
irrompessem. Mal alguém carregasse às costas a torpe incumbência de ser
herdeiro dos Joy Division, deixaria de ser ouvido.
Esta insistência em recuar ao tempo perdido no
macilento passado tinha um equívoco fio condutor com as incógnitas que o
intimidavam. Uns, instalados e sem dores de sobrevivência, desdenhavam do
presente de cada vez que iam ao pretérito buscar a linhagem escondida no tempo
atual. Outros (ele), perseguiam uma centelha que fosse anúncio do tempo
vindouro. Que interessavam os pretéritos se dali já não recolhiam serventia
alguma?
Despediu-se antes da amesendação ter findado. A
pergunta mantinha-se a vermelho incandescente sob a memória (e não era sobre os
putativos herdeiros dos Joy Division): haveria de emigrar? A desidentificação
que podia apenas ser espuma momentânea era outro manso gorjear a favor da
partida. A caminho de casa percebeu que caíra num logro (de que não dera conta
se não mais tarde): se tivesse demorado por toda a estéril discussão, saberia
se era motivo para emalar os pertences rumo ao distante.
O troco para a pergunta perene daqueles dias é
que era the next big
thing.
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