In http://us.123rf.com/400wm/400/400/mtoome/mtoome0912/mtoome091200003/6123582-wine-glasses-on-a-table-in-a-restaurant.jpg
Um ansiolítico social – era disso que
ela precisava. Há gente que desdenha da sorte que lhe caiu no regaço. Ela tinha
o luxo de escorraçar ofertas de trabalho. Ele acabara de ser utente do subsídio
de desemprego. Ela desorbitava a fartura material, logo quando a ele começavam
a sussurrar ao ouvido as primeiras contingências financeiras (que o subsídio
não aplacava todas as necessidades que eram de antanho). Ela contrapunha: que
estar bem na vida transcende a abastança; e que talvez a abastança fosse o
ninho para as exacerbações que tomavam de assalto o estado de espírito.
Vinham de trás os antagonismos. Eram
diferentes em tudo: no feitio, para começar; no percurso de vida, desde os
estudos ao roteiro profissional; e também nas relações pessoais. No caso dele,
uma mansidão extenuante. Nela, um contínuo tumultuoso. E, todavia, sempre
ficaram ligados pelos opostos que os desuniam. As vidas desencontradas rareavam
os encontros, que tanto podiam ser à mesa de um restaurante, num concerto, numa
esplanada em tempo estival, numa exposição, numa peça de teatro, ou em casa de
um ou do outro. Havia sempre um que tomava a iniciativa: era o que precisava de
confrontar o outro com as diferenças que os uniam. A conversa era um
sobressalto permanente. Raramente concordavam. Era no desacordo que encontravam
um singular oxigénio que retemperava o pensamento.
Ele fora convocado pois ela tinha
desabafos que precisavam de desembaraço. Atravessava (ou pelo menos julgava) um
princípio de crise existencial. Outra. Ele estava habituado aos estados de alma
amotinados. Ela procurava-o porque sabia que nele havia espírito crítico a
rodos, perguntas constantes que esbarravam nas suas próprias inquietações,
interrogações que se sentavam em cima das interrogações que já eram sua
angústia. Ela gostava do método. Era como os bombeiros, quando ateiam um
incêndio em sentido contrário de outro incêndio para o extinguir.
Desta vez ele estava no limiar da
paciência. Ela desembainhara a espada afiada. Não queria o assédio de tanta gente
que a queria recrutar com o privilégio do exclusivo. Pensara em retiro
sabático. E ele, acantonado no desemprego, protestava contra este destempero.
Nada era novo. Como sempre fora, estavam nos antípodas um do outro.
Desta vez, a conversa terminou com uma
despedida abrupta. No meio de uma discordância exacerbada, ele levantou-se do
restaurante a meio da refeição. Só teve tempo de ordenar: “já que estás cansada da abundância, paga a conta do jantar”.
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