Corona,
“Mão no prato”, in https://www.youtube.com/watch?v=yrDunHU-fsQ
Naquele ano, o rei
vetusto ganhou novo conselheiro. O conselheiro tinha feito estudos em
universidades de países avançados. Convenceram o rei que estava precisado de um
estrangeirado com vistas desempoeiradas para alindar a imagem junto dos
súbditos. Era preciso emprestar alguma modernidade ao rei, aproximá-lo dos
cidadãos. Ultimamente, havia protestos de rua contra a monarquia e o suserano,
coisa nunca dantes vista. Constava que jovens, tão estrangeirados como o novo
conselheiro, estavam na retaguarda dos protestos. Até por isso convinha
convencer o rei da utilidade do novo conselheiro. E de lhe dar plenos poderes
para cozinhar a política da casa real.
Uma das primeiras medidas
soou a heresia quando o rei a escutou. O rei devia anunciar a abertura do
palácio real ao público no dia que celebrava a independência do país; e devia
anunciar que, nesse dia, a um cidadão sorteado numa taluda seria colocada a
coroa real durante duas horas.
O rei ficou tão atónito
que, na omissão de reação, o novo conselheiro julgou (erradamente) anuência. Só
mais tarde, já o conselheiro metia as mãos à tarefa e começava a congeminar os
detalhes da empreitada, o rei interrogou-o, com um esgar de cisma: “estava vossa senhoria a falar a sério quando
propôs que abonasse a minha coroa a um cidadão sorteado?” O conselheiro não
podia fazer marcha-atrás. Insistiu na ideia: “saberá sua alteza que as monarquias ensaiam a modernização por diversos
modos? Se me permite a ousadia, eu pensei nesta. Asseguro, sua alteza, que terá
os olhos do mundo em si se autorizar que tal suceda.” Não totalmente
convencido, o rei concordou com a ideia (que não deixou de julgar bastarda).
Chegou o dia aclamado. O
resultado da taluda fora anunciado na véspera. Todos os súbditos, maiores e
menores de idade, faziam parte do universo a sortear. A taluda saiu a uma
menina pré-adolescente da classe média urbana. A menina era conhecida pela
rebeldia. No ano letivo anterior, teve o topete de escrever um texto para um concurso
de literatura na escola que era sobre o dia em que o rei depunha a coroa na
cabeça de uma menina rebelde (sem nunca estar a pensar em si mesma para
personificar a história).
Duas horas depois de
carregar a coroa nos cabelos aloirados, perguntaram à menina como se sentia. Em
pose descontraída, declarou: “é
desconfortável. Já é desconfortável pôr chapéus, o que não dizer de uma coroa
tão pesada e valiosa. Além disso, magoa um bocado, pois tem umas arestas vivas
que roçam na cabeça. Se mal perguntam, não, não gostaria de ser a rainha deste
reino.”
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