Antony and the Johnsons, “Bird
Gerhl”, in https://www.youtube.com/watch?v=v1pZgrk_WCw
Sob o jugo da penumbra, o
chapéu decai para a frente dos olhos. Às vezes, é preferível embaciar os olhos.
Deixá-los em hibernação. Se não, medra uma melancolia espessa que retira os
freios da penumbra, consumindo a luz inteira. Gotículas serenas são vertidas no
chão. É o suor, o suor quente ou o suor frio, que desafia a melancolia. Um
combate desigual: suor e melancolia, a ver que armas usam, a ver quem sai com o
triunfo no final. Desigual. Pois ao suor impõe-se construção, e construir exige
sacrifício. Já a melancolia é fácil. Num ápice, desarruma o que levou tanto
tempo a erguer.
Os olhos arqueiam-se
debaixo do chapéu, seu refúgio. Não querem a sorte madrasta que se lhes oferece
em jeito de recompensa. Nas paredes vêm escritas as palavras que intuem o
presente envenenado: “as ilusões são
sedutoras; porém, como fascinações, depressa se desfazem em nada no rescaldo que
houver de tudo.” O suor continua a escorrer pelo rosto, a contagiar o resto
do corpo febril. Em tal estado febril, não compensa convocar o palco para
resoluções fundamentais. O suor convida ao adiamento. Ao silêncio. A
interiorizar as coisas pungentes que estão em disfarce. Deve-se contar com o
custo da mordaça: o suor não cessa de se apoderar do corpo em forma de pesar. Pode
ser desconfortável.
Não julguem os
afortunados que a sorte só é aziaga para os outros. Que sorte assim, perene e
visitação dos sempre mesmos, não é fado caucionado por quem tutela os fados
todos. Entretanto, o suor continua a contaminar o corpo. Numa depuração
necessária, tirando as toxinas que puderem corromper o pensamento. O suor sela
o adiamento. As estrelas da noite podem esperar. Enquanto estiverem embotadas
por uma cortina de nuvens, não perdem fulguração. E é isso que importa. Pois as
estrelas são perenes, já as nuvens dissolvem-se na ocasionalidade.
Por isso nem a melancolia
perdura, nem o suor corre à bica na sucessão do tempo. Enquanto este for carta
dentro do baralho, e o naipe estiver completo, a sucessão de noites e dias, com
a sua específica aura, continuará a ditar a ordem. É como o suor: a tangência
aos cantares melodiosos dos pássaros não é sempre.
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