Spiritualized,
“Shine a Light”, in https://www.youtube.com/watch?v=mY8SyTsgSko
Habituara-se a ser
reconhecido na rua. A notar que os outros notavam a sua presença, murmurando o
reconhecimento. A fama tinha um preço para alguns famosos. Ele não se fazia
esquisito: gostava da fama. Não se importunava com o escrutínio público quando
saía à rua. Assim como assim, ninguém anda pela rua a espraiar-se em tristes
figuras, por que haveria de se refugiar da rua? Havia quem perguntasse se não
sentia ao menos incómodo em sentir-se observado (pois o anonimato resguarda da bisbilhotice)?
Também não se importava. A fama exige devoção ao público. Há que dar e receber.
Tudo começou quando veio
ao mundo. A mãe contou-lhe que estava uma linda estrela por cima do céu e que
essa estrela foi testemunha do parto. Era a estrela que o abençoara para uma
vida notável. Ouviu a história desde que se lembra da mãe e depois o avó
paterno lhe contarem histórias antes de adormecer. A ideia enraizou-se. Quando
a notabilização começou, nunca se esqueceu de agradecer, em preces secretas, à
generosa estrela que o apadrinhou. Em paga, quando não estava distraído com as
muitas demandas inerentes à fama, dirigia os olhos ao céu e curvava-se, em
sinal de agradecimento, perante a estrela que estivesse a cintilar mais. Não
importava, como um dia lhe disse um astrónomo ao tomar conhecimento da história
piegas, que as estrelas mudem de lugar com a passagem do tempo. A inteligência
não era um lugar-tenente.
Gostava de ir a um lugar
e sentir que havia pajens que se desfaziam em genuflexões. Gostava de almoçar e
jantar sem ter de pagar a conta no fim (obséquio dos donos dos restaurantes).
Gostava de ir de férias para onde todos os seus patrícios iam de férias, pois a
visibilidade era apenas nacional e uma vez caiu à cama quando foi de férias
para o estrangeiro e ninguém o conhecia. Gostava que lhe pedissem autógrafos e
fotografias, para os admiradores se imortalizarem com um pedaço de si. Gostava
de mordomias várias inerentes ao estatuto.
Podia ser tudo isto. Não
fossem as pastilhas em que se viciara. As alucinações são terreno fértil para a
esquizofrenia latente.
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