The Clash,
“Guns of Brixton”, in https://www.youtube.com/watch?v=hiQoq-wqZxg
(Manuel Arriaga, Reinventar a democracia: cinco ideias para
um futuro diferente, Lisboa, Manuscrito, 2015)
A perfeição é uma ambição
humana. Pelo que sabemos da espécie, e de cada um de nós, devíamos saber
tratar-se de um sonho que vive paredes-meias com a utopia. Daquelas utopias que
sabemos quiméricas. Porque a imperfeição é inata à natureza humana.
Sendo os regimes
políticos produto da intervenção humana, o mais certo é estarem eivados de
imperfeições. Algumas pessoas resignam-se (por anemia, ou com conhecimento de
causa dos obstáculos à mudança). Outras condoem-se, julgam que o limite do
aceitável foi ultrapassado quando esbarram nessas imperfeições. É o caso de
Manuel Arriaga, que diagnostica um mal de morte à democracia como a conhecemos.
O autor não se contenta em fazer o diagnóstico da doença. Arrisca uma proposta
de mudança, a reinvenção da democracia.
Sobre o diagnóstico, não
há novidades. Os políticos não nos representam, mesmo depois de terem sido
eleitos. Estão a soldo dos interesses que movem grandes somas de dinheiro.
Agarrando-se à psicologia, Arriaga defende que é natural que os governantes
sejam atenciosos aos que com eles amesendam frequentemente, desvalorizando a maioria
silenciosa (o povo). É um mecanismo natural (ensina a psicologia
comportamental) que, no entanto, fere de morte a democracia. Quem governa deixa
de servir os interesses de quem os elegeu.
Arriaga não fica por
aqui, desvalorizando as eleições como método adequado de escolha dos
representantes. Primeiro, os eleitores não estão informados (como deviam estar)
sobre os programas de governação concorrentes. Segundo, os políticos são
mestres na arte da dissimulação, corrompendo a lucidez dos eleitores. Terceiro,
está vulgarizada, entre o cidadão comum, a ideia que os governantes estão
predestinados para congeminarem as políticas que bem fazem ao cidadão. (Nesta
ideia, Arriaga contradiz-se: como pode defender que já não nos revemos nos
eleitos se, ao mesmo tempo, lamenta uma presunção de competência do cidadão comum
nas elites que governam?)
O autor ensaia uma
terapia. Se as eleições só nos dececionam – pois os eleitos depressa se esquecem
de governar para quem os elegeu –, a democracia deve ser reinventada. Gente
comum deve tomar o comando da empreitada. Através de assembleias de cidadãos.
Escolhidas por sorteio. Arriaga tenta convencer o leitor, com a ajuda da
demografia e da teoria das probabilidades estatísticas, que não vem mal ao
mundo em sortear os governantes. Tenta ainda persuadir o leitor que podemos confiar
no método, pois cidadãos responsáveis, informados, estudiosos e devidamente
aconselhados (e aqui permito-me exibir preocupação...) estão em condições de
tomar decisões que, conclui, serão mais sensatas, eficazes e justas. A
deliberação demorada entre os sorteados é o método escolhido.
Por mais que Arriaga
compulse exemplos de assembleias de cidadãos e de como esses exemplos são
meritórios, vou com o pelotão daqueles a quem o autor acusa de serem
“pessimistas da realidade”. A governação não se compadece com aleatoriedade.
Sermos governados por sorteio pode ser uma ideia que funciona em contextos
específicos, ou em laboratórios de ideias. Estender a lógica à governação de um
país (e dos países) é um risco que só uma pueril análise pode contemplar.
Pela parte que me toca,
cético e desconfiado em relação às elites políticas tão vituperadas por
Arriaga, raciocino numa lógica de controlo de danos. Mal por mal, os ineptos
que conhecemos em detrimento do buraco negro da governação por sorteio. Churchill
continua a saber da poda: a democracia é o pior dos sistemas políticos se
descontarmos todos os outros. Apesar do tempo e de todas as patologias que a
contaminam.
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