26.5.15

O homem sem proezas

Jungle, “The Heat”, in https://www.youtube.com/watch?v=Y4UckOGdZtI&list=PLjpv9dEYYkaDgXK9mynzfGb1sfSFi3x8u&index=3
À volta, desfilam as façanhas. Uma disputa pessoal contra si mesmo, para superiorizar as proezas acabadas de narrar lá atrás. Como se fosse o chamamento do super homem que alguns acham que tem de habitar por dentro, nem que seja no imaginário que se constrói.
Assim como assim, todos somos uma singularidade. Diferentes uns dos outros. A essa diferença, a esse ADN único, cimenta-se um ensimesmar que, se não tiver freios, acaba em narcisismo. Acaba com feitos normais transfigurados em proezas que não estão à mão de semear de mais ninguém. (Nem podia tal coisa suceder: pois os atos vividos por alguém são sempre irrepetíveis; o máximo a que se pode chegar é à semelhança, que, todavia, encerra sempre diferenças.) Como cada um é um ser único, atos transatos são o espelho de feitos que não podem ter a autoria de mais ninguém.
O herói de si mesmo ufana-se de si mesmo. Um raro brilho toma conta do olhar enquanto revive no discurso em primeira pessoa as proezas de antanho. Dir-se-ia, repete as proezas enquanto as passa pelas palavras que são a sua narração. A vaidade escorre pelos poros na decantação da narrativa. Está convencido que teve uma vida repleta. Aos outros, os que se limitaram a uma existência “normal”, atira o opróbrio da monotonia. Acredita que estes foram levados pelo tempo, já que ele, tutor das mais variadas proezas, tomou o tempo nas suas mãos. Não lhe ocorre (por ser reflexo ausente da sua natureza) que há tantas maneiras diferentes de olhar quantos os olhos intérpretes desse olhar.
Não lhe chega ao conhecimento que nesta era repleta de heróis, de tanta gente que se persigna por ser deus em nome próprio (a crer na estatura das proezas e na sua frequência temporal), talvez proeza seja a normalidade. Talvez proeza seja haver quem não reclame créditos de proezas avulsas. Por não as reconhecer como proezas. Ou, porventura, por não ter o trauma da ladainha desinteressante que é a vida e exigir para si mesmo o papel de super herói.

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