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Dinamite, “V. Thirteen”, in https://www.youtube.com/watch?v=sjqSRQoxnhs
Para começar: quem não
tem a sua dose de preconceitos? Talvez por o reconhecer, diga-se que o
preconceito não quadra com um chão de racionalidade. Por isso, diga-se também
que os preconceitos medram no absurdo. Uns mais que outros, mas nenhum
preconceito se consegue desprender da báscula do absurdo.
Anteontem, uma notícia
que arrisca vencer o campeonato do absurdo no ano corrente: o presidente do
Instituto Português do Sangue e da Transplantação disse em público (sem,
supõe-se, estar ébrio) que os homossexuais não podem ser dadores de sangue de
cada vez que copularem com – obviamente, ou não fossem homossexuais – outros
homens. Porque o senhor considera que o sexo entre dois homens é um “fator de
risco”. Julgando salvar o rosto do preconceito que levita sobre a sua pessoa, a
cavalgadura, de seu nome Helder Trindade, elaborou sobre o assunto: o instituto
que dirige não faz discriminações em função da orientação sexual, apenas
discrimina as práticas sexuais.
A certa altura, desfez-se
a incredulidade e a análise descaiu para o risível. Comecei a supor cenários
diversos que tiram o tapete à exibição de sapiência científica que mais não é
que um ostensivo preconceito e uma manifestação de ignorância do senhor
Trindade. Primeira objeção: quando alguém se oferece para dar sangue, o
enfermeiro de serviço pergunta se é homossexual? (Confesso a pessoal ignorância
sobre o assunto, pois a fobia a tirar sangue nunca me deixou se dador do mesmo.)
Seja como for, é abusivo sequer imaginar que o senhor enfermeiro possa
perguntar sobre a orientação sexual do candidato a dador. Se a pergunta me
fosse feita, heterossexual sem hesitações, responderia ao senhor enfermeiro: “meta-se na sua vida.”
Segunda objeção: é risível
que alguém com responsabilidades públicas confirme que não tem preconceitos
contra a orientação sexual dos homossexuais, apenas contra práticas que
impliquem o contacto sexual entre dois homens. Portanto: um homossexual que queira
cometer o generoso ato de legar uma pequena parte do seu sangue está colocado
perante um dilema: ou mente, dizendo-se heterossexual, porventura violentando a
sua consciência para não ser apanhado em flagrante no “crime” da
homossexualidade; ou pratica a castidade. O senhor Trindade gostaria que os
homossexuais estivessem submetidos a uma auto-castração, pois só lhes seriam
permitidas práticas sexuais que não envolvam penetração. Se isto não é
preconceito e discriminação, o que é preconceito e discriminação?
Terceiro: o senhor
Trindade, talvez por pertencer à Opus Dei, ou por ter (deito-me a adivinhar
outra vez) uma vida sexual maçadora, desconhece (ou faz de conta) que alguns
heterossexuais têm o mesmo “comportamento de risco” que ele decidiu vetar nos
homossexuais que queiram dar sangue. Ou seja, o senhor Trindade será menino
para assinar uma instrução de serviço autorizando os enfermeiros que fazem a
recolha de sangue a perguntarem aos potenciais dadores se não cometeram o sumo
pecado da sodomia.
No meio destes ventos de
loucura, apetece-me dizer que não há paciência para os apóstolos da moral e dos
bons costumes.
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