13.8.15

Outro lugar

Antony and the Johnsons, “Knocking on Heaven’s Door”, in https://www.youtube.com/watch?v=cNpCx_TDO24
Desembaracem-se as sombras. Sobram cinzas no chão. As luzes embaciadas emprestam uma feição lúgubre àquele lugar. A noite parece sem fim. Eterniza-se entre as nuvens carregadas. O lugar deixou de ser um cais que apetece. Perdeu a fleuma que inspirava as almas. Perdeu-se na vastidão das coisas irrelevantes.
Já não há esteios fundeados neste lugar. Já não são horas melífluas as que emolduram as suas fronteiras. Talvez fosse apenas um clamor precipitado. Talvez devesse aquiescer mais duração às dúvidas, para lhes tirar a medida a condizer e alinhavar resoluções com peso. Oxalá assim fosse. O que mais o cercava eram sombras que vertiam certezas. Era como se um rio tumultuoso já tivesse passado e a experiência do caudal tivesse sido a prova dos nove. Voltava ao agora ponto cardeal: este lugar perdeu-se nos interstícios das sombras, já nem as suas sombras chegam para pesar. Foi como se um anel tivesse caído entre duas pedras da calçada e nem os olhos o conseguissem avistar, nem os dedos pudessem ir pelo meio das pedras tatear as fundações escondidas.
Não chegavam os pesares que se sobrepunham ao demais. O lugar tinha a cor da pele macilenta. Via pelos olhos raiados, oblíquos, míopes. Já não conseguia ver as árvores de outrora, nem os pássaros que enchiam o ar com a melodia que trinavam. Um murmúrio constante salivava o desdém do lugar pela sua pessoa. Como se fosse pária do lugar. Ele preferia devolver o opróbrio: era o lugar que estava a um passo de ser pária.
Nestes preparos, a defenestração impunha-se. Não interessava rever a matéria dada, que os vapores do tempo pretérito adelgaçavam-se com a memória seletiva. Voltava ao desafio de um novo cais onde aportar. Um cais que não estivesse contaminado pelas águas agitadas, nem azoado pelos sacerdotes que, impiedosos, teciam sua sepultura. Mas um lugar não é matéria desligada do resto. Um lugar não é apenas o espaço físico que é seu mapa. A mortificação maior era não ser capaz (por impossibilidade manifesta) de desnatar o lugar das suas significações, das pessoas que são penhores do lugar, das memórias arquivadas.
O outro lugar, o lugar necessário mas ainda desconhecido, esbarrava nas peças do jogo que ele não dominava.

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